Home Cultura Paul McCartney e uma dívida com 30 anos de atraso

Paul McCartney e uma dívida com 30 anos de atraso

O tempo parou para Paul, mas para mim, passou

Esperando Paul McCartney, 2023

Como tantas, tantas outras pessoas, eu tenho uma história com os Beatles. Não exatamente com os Beatles, mas com Paul McCartney.
Explico.
Em 3 de dezembro de 1993, Paul McCartney veio fazer um show em São Paulo. Pode ser difícil pra você entender, se cresceu com a internet – mas, na época, ou você estava prestando atenção nas notícias, ou poderia simplesmente nem saber que um ex-beatle ia fazer um show na sua cidade.

Sim, você já entendeu – eu não fiquei sabendo.

Meus amigos mais próximos, porém, souberam. E, quando digo mais próximos, eram aquelas pessoas com quem eu dividia minhas tardes depois da escola, estudava junto, viajava, ia para o Playcenter. Ouvia música. Ouvia Beatles.

Eles ficaram sabendo, e compraram ingressos. Era 1993, e eu passei o ano no cursinho preparatório para o vestibular. O show seria em 3 de dezembro, lembrem-se. Véspera da primeira fase da Fuvest. O único vestibular que eu ia prestar aquele ano (eu não achava que poderia me dar ao luxo de prestar em outra cidade, ou cursar uma faculdade paga).

Meus amigos – que posso realmente dizer que são meus amigos – foram ao show, e não me chamaram. Meus amigos – a gente se juntava e ficava tocando e cantando músicas dos Beatles. Eles foram ao show. Só fiquei sabendo depois. Isso foi tema de muita zoeira com eles, da minha parte, por muitos anos. 

Mas isso me marcou. Marcou mesmo. Quantos CDs do Paul eu tenho? muitos. Quantas vezes o Paul já veio ao Brasil desde então? Dezenas. Mas, depois daquele 3 de dezembro, eu nunca mais me interessei, como se tivesse sido um momento mágico, que passou. E não voltaria.

Flash forward pra 2023. Exatamente 30 anos depois, em 3 de dezembro de 2023, um estalo – provavelmente por ter visto, na semana anterior, um show do Beck e um de The Cure (essa sim, minha banda favorita na vida toda). Entrei no site, como havia feito algumas vezes nos meses anteriores, mas não havia achado ingressos. Surpresa – cadeira inferior pro dia 7 disponível. Comprei.

Quatro dias antes do show. No site oficial. Qual a chance? Comprei. Exatos trinta anos depois. Não 1, não 2, não 10. Trinta anos. Uma dívida comigo mesmo, uma dívida com a história? Uma reparação, um acerto com o passado? Talvez. Tenho, hoje, quase a mesma idade que o Paul tinha naquele agora longínquo 1993 – ele tinha 51, eu tenho 49.

Em 1993, meus amigos – que posso realmente dizer que são meus amigos – foram ao show, e não me chamaram. Porque sabiam que eu ia fazer a prova da Fuvest no dia seguinte. E que não poderiam arriscar a me atrapalhar. Isso foi tema de muita zoeira com eles, da minha parte, por muitos anos. Eu passei, e nunca saberemos se ter ido ao show faria diferença. Mas eu passei, e acho que eu devo isso também a eles. With a little help from my friends, eu diria.

Fui com novos amigos (eles sofreram para comprar os ingressos, meses antes). Um sinal de que tudo seria diferente. O local? diferente (o Pacaembu já nem existe mais). O setlist? diferente – fiquei muito espantado com a inclusão de oito músicas do Wings. Em 1993, havia muitas músicas de Flowers in The Dirt, álbum solo lançado em 1989. Compreensível, portanto, que ganhasse destaque.

Mas eu senti que havia uma carga gigante de passado ali. Wings, a banda que formou depois dos Beatles. Que tinha sua então esposa Linda como integrante. Um show com homenagens ainda mais sentidas (do que no passado) a George e John – com quem faz um dueto, cantando I Got a Feeling.

“All these years I’ve been wandering around
Wondering how come nobody told me
All that I was looking for was somebody who looked like you”

A idade chegou.

Poucos hits iê-iê-iê. Uma pegada muito rock e gritaria, e bem menos pop. O que é intrigante, porque senti que, por vezes, Paul, do alto de seus 81 anos, já não conseguia entregar a mesma velocidade e potência na voz. E senti que ele compensou com um certo peso na música – gritaria, guitarra, metais.

Apesar disso, ou talvez muito por isso – Paul entregou tudo o que eu esperava dele. Um showman absoluto. E, como costumeiramente ele diz nos shows, “é hora de voltar no tempo”. Eu voltei 30 anos. Mas as pessoas no show voltam 60 anos. Paul é uma dimensão apartada, é um tempo fixo em torno do qual as pessoas gravitam. Sua performance é uma viagem no tempo.

Paul é um tempo específico, paralisado – o tempo parou para Paul. Mas, para mim, passou.

Como para tantas, tantas outras pessoas, Paul será uma memória afetiva para sempre. Mas, hoje, é apenas isso – um tempo que foi, e não voltará jamais.

Obrigado, Paulinho.

Summary
Event
Paul McCartney Got Back

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