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Domingo à Noite, uma história familiar

A celebrada atriz Margot (Marieta Severo) encontra formas de sustentar o amor com o marido Antônio, que apresenta quadro avançado de Alzheimer – Divulgação

Com grandes atuações, o longa conecta elenco e público a seus próprios dramas – pessoais e de família

A trama nos apresenta a renomada atriz Margot (Marieta Severo) em sua rotina de cuidar do marido Antônio (Zécarlos Machado), premiado escritor em quadro avançado de Alzheimer, e finalizar as gravações de seu mais recente filme – mas não sem antes encarar acertos com a memória que aos poucos desaparece e, de outro lado, traumas não resolvidos.

Inspirada nas experiências pessoais do roteirista Bruno Gonzalez, após a perda de seu avô e os sintomas de demência em sua avó, a história provavelmente encontra identificação na maior parte do público. Afinal, como declarou o diretor André Bushatsky, o envelhecimento da população projeta que os casos de demência serão cada vez mais comuns. A produção é uma contribuição para a reflexão, tanto na compreensão do impacto sobre as famílias, como nas possibilidades de ação nesses contextos, completou Gonzalez.

Marieta Severo fala sobre a importância da memória – seja individual ou coletiva

Nesse sentido, a obra traz personagens que podem facilmente conectar o espectador aos dramas apresentados. Seja do ponto de vista da mãe, do pai ou dos filhos, não é difícil se identificar com os sentimentos de perda, dor e impotência diante do destino; realizações, fracassos e o peso das decisões que as personagens – e o público, claro – vão tomando ao longo da vida.

A própria Marieta Severo, no período das filmagens, passava por situação semelhante. Seu companheiro Aderbal Freire Filho tinha sofrido um AVC e dependia de cuidados especiais. Em entrevista ao Universa UOL, declarou: “vê aquela pessoa, ativa intelectualmente, cheia de limitações. É a grande dor da minha vida todos os dias. Eu tenho um mini-hospital em casa, com fisioterapia e fonoterapia. Mas ele não tem mais autonomia. É muito cruel”.

A certa altura, Margot diz aos filhos Francine (Natália Lage) e Guto (Johnnas Oliva): “Tem coisas que a gente escolhe. Outras, não”. Essa talvez seja a espinha dorsal do filme, que constroi uma protagonista independente, decidida e voluntariosa, confrontando uma situação em que ela começa a ser privada de características definidoras de sua identidade.

Além da atuação de Marieta Severo, que valeu o prêmio de Melhor Atriz no Madrid Film Awards 2023, merece destaque a impressionante performance de Zécarlos Machado, percorrendo o imenso abismo entre sua presença-ausência e os flashbacks de sua vida anterior aos sintomas – como na cena em que ele deixa claro sua decisão sobre que rumos sua vida deve tomar, após o diagnóstico.

Somos, então, confrontados com perguntas cruciais: do que é feita a vida? Quando ela termina? Qual o real poder que temos para decidir nossos próprios rumos?

O longa ainda adiciona questões como o financiamento de cultura no país e a visão do capital, encarnada na personagem Guto, profissional do mercado financeiro: ele fica inconformado ao saber que a mãe colocou dinheiro do próprio bolso em seu atual filme, e afirma que cinema não dá dinheiro – talvez numa referência à própria produção, realizada num período em que não havia apoio de incentivos fiscais.

Para Marieta Severo, o enredo não trata apenas de memórias, afetos ou destinos individuais, mas também de como não há futuro para o país sem a lembrança e o entendimento do passado. E como a arte – ofício do casal protagonista –, é parte indissociável desse processo.

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