Feito de contrastes, Elis & Tom opõe temporalidade e tempestividade: 50 anos depois, traz imagens inéditas a um tempo em que tudo é “documentado” e o cotidiano tem seu making-of em tempo real
Imagine que você está presente nas gravações do novo álbum de dois de seus artistas favoritos, ambos consagrados mas de estilos diferentes, em estágios distintos da carreira. Imagine que você pode filmar tudo, acompanhando o processo de criação, os atritos, o dia a dia tenso. Quanto tempo você levaria para postar tudo na sua rede favorita?
50 anos? Impensável nos dias de hoje, em que fazemos pública toda a banalidade do nosso dia a dia em tempo real. O documentário Elis & Tom, Só Tinha De Ser Com Você, de Roberto de Oliveira, que revela os bastidores do emblemático álbum da música brasileira, entra em cartaz dia 21 de setembro, cinco décadas depois da realização do disco.
Essa distância temporal, provavelmente, acabou exigindo que o longa navegasse entre agradar aos fãs mais dedicados e a novas audiências.
Assim, o roteiro apresenta os protagonistas de forma didática – que aos fãs talvez soe desnecessária. Por outro lado, é recheado de cenas inéditas e trechos de apresentações das canções do disco ou da dupla em momentos de descontração, cantando músicas de outros compositores – para quem não é fã, pode parecer excessivo e que, ironicamente, quebra o andamento do filme.
Talvez esses antagonismos sejam propositais, alinhando-se à própria narrativa. Desde o trailer vem essa dualidade, de dois astros gigantescos em oposição. A sensação de que o protagonismo vai se alternando ora entre “Elis & Tom”, ora “Tom & Elis”. Ele aparece como monstro sagrado e intransigente, mas magnânimo ao reconhecer o valor dos músicos da equipe. Ela é descrita como potência, mas ao mesmo tempo sem forças – suas imagens variando entre cansaço e desistência, e outras de confronto e energia.
Nesse ponto, talvez tenham faltado depoimentos para aprofundar alguns pontos, como a menção a assédios sofridos por Elis em sua carreira, mesmo que não tenham ocorrido durante as gravações do álbum. Praticamente só se veem homens trabalhando na produção do disco, e a única mulher entrevistada é a filha de Tom Jobim. Seria uma amostra da idade do documentário?
De todo modo, o momento parece oportuno para apresentar um recorte mais real de Elis Regina a um público que talvez não tenha compreendido o motivo de tanto auê por conta de um comercial de TV para uma marca de carro – 2 coisas já sem muito apelo para a geração Z.
Assista ao filme e veja se você acha que o resultado é mais Elis & Tom, ou Tom & Elis.
Muito bom o texto,eu também prefiro ”Falso Brilhante”,mas meus álbuns favoritos da cantora são ”Ela”,de 1971 e ”Saudade do Brasil” Vol 2 de 1980.