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Entrelinhas (2024, dir. Guto Pasko) – Resenha

Baseado em fatos reais, longa "Entrelinhas" retrata a Ditadura Militar no Brasil sob uma perspectiva anônima, mas cruel e sincera

poster de entrelinhas mostra a protagonista ana beatriz e os personagens marcos e nontato

Baseado em fatos reais, longa “Entrelinhas” retrata a Ditadura Militar no Brasil sob uma perspectiva anônima, mas cruel e sincera

Estamos acostumados a ver diferentes obras que retratam a Ditadura Militar no Brasil e seus desdobramentos. Filmes, livros e séries. Falando de longa-metragens, “Batismo de Sangue” (2006), “O Que É Isso, Companheiro?” (1997) e “Marighella” (2019) são alguns dos principais nomes que abordam personagens ou eventos-chave deste período. Entrelinhas merece um lugar de destaque em listas do gênero.

Em seu novo filme, o diretor paranaense Guto Pasko (“Iván”, “Aldeia Natal”) realiza uma abordagem menos convencional a respeito do regime que governou o Brasil entre 1964 e 1985, situando sua história no estado do Paraná, e sob a perspectiva de uma personagem “anônima”, que se soma a tantas outras histórias ainda não contadas.

Produzido pela GP7 Cinema de Curitiba, Entrelinhas venceu cinco categorias no Festival Cine PE 2023: Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Montagem, Direção de Arte e Edição de Som. Durante o processo de filmagem, mais de 2.100 atores foram testados para a película.

SINOPSE

Curitiba, 1970. Ana Beatriz Fortes (Gabriela Freire) se prepara para o primeiro dia de estágio e é deixada no local por seus pais.

Ao aguardar trazerem as papeladas de início de trabalho, a jovem de 18 anos é abordada por policiais, algemada e levada para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) sob a acusação de ser colaboradora de estudantes subversivos ligados a UNE e ao DCE da Universidade Federal do Paraná.

APENAS MAIS UMA HISTÓRIA

O primeiro ponto a se falar (e reiterar) sobre Entrelinhas é que ele se baseia em fatos reais. Em 2005, Guto Pasko encontrou um velho amigo em Kiev, Vitório Sorotiuk, ex-presidente do DCE da Universidade Federal do Paraná. Durante um jantar, Sorotiuk lhe contou uma história “que renderia filme”.

Tratava-se do caso de Elisabeth Franco Fortes, que foi presa por agentes da ditadura militar durante um congresso estudantil clandestino. Elisabeth Fortes foi condenada a 2 anos e meio de prisão. Ana Beatriz Fortes, sua irmã, sempre a visitava, o que acabou gerando desconfiança por parte dos militares sobre seu envolvimento em “movimentos subversivos”, levando à prisão arbitrária da jovem e, posteriormente, seu sequestro e tortura. Ana acabou nunca sendo sentenciada por qualquer crime; a alegação dos agentes foi de que “tudo foi um engano”.

Com determinada liberdade artística, o filme, ainda assim, retrata de forma fiel o sofrimento de Ana Beatriz, seus pais e sua irmã, que se veem impotentes diante de um sistema onde o silêncio significa sobrevivência e a empatia, conveniência. A quem já acompanha o tema, os desdobramentos podem não ser impactantes, mas são dolorosamente chocantes.

O fato de não haver grandes reviravoltas é o que faz o filme fidedigno a sua proposta. Entrelinhas conta “apenas mais uma história”. E o apenas, aqui, não faz virtude de diminuição, mas sim de importância. A história anônima de Ana Beatriz, que não foi mártir, mas que sofreu todas as mazelas da ditadura na pele e na mente, representa a história de tantas outras Anas, raptadas, torturadas, massacradas. Por vezes, com um desfecho distinto ao dela, que permaneceu viva para, inclusive, contribuir para a concepção do filme.

“É um filme que aborda contextos históricos mas também é sobre os brasileiros “anônimos” de ontem e de hoje – que foram e continuam sendo vítimas da violência e repressão – pois essa ferida ainda continua aberta nas entranhas do país”, comentou o diretor.

A localização no Paraná também é um tópico de diferenciação da produção. Uma grande parcela de obras sobre a Ditadura Militar no Brasil tem como pano de fundo São Paulo ou Rio de Janeiro (mais essencialmente as capitais dos dois estados); aqui, Pasko coloca lupa sobre os desdobramentos em uma região distinta, que se mostram igualmente perversos e estão também enraizados nesta página sombria do país.

AMBIENTAÇÃO, ATUAÇÕES E AS TAIS ENTRELINHAS

Um dos grandes destaques de Entrelinhas está na sua cenografia. A direção de arte de Isabelle Bittencourt traz uma incrível reconstituição de época em localidades como Curitiba e Foz do Iguaçu. A Delegacia do DOPS, o Hospital Militar e o quartel do Exército são alguns dos cenários recriados de forma fidedigna e rica em detalhes.

A mesma reconstituição de época pode ser vista nas ruas, carros, casas dos personagens e, especialmente, nos figurinos. Foram criadas e confeccionadas 180 peças exclusivamente para o filme, além de diversos objetos cênicos de época. Detalhes sutis completam a ambientação como as transmissões de rádio, que narram sutilmente eventos que colaboram com o clima setentista.

O que traz forte carga ainda mais realista ao filme é a sua crueza. Entrelinhas não poupa esforços para dar ao espectador uma dose dolorosa de realidade a respeito do modus operandi dos agentes da ditadura militar. Se algumas obras preferem abordar esses tópicos de forma mais sutil, Pasko apresenta o sofrimento de suas personagens sem pudores – talvez, a forma mais eficiente de mostrar a história que muitos ainda tentam negar.

Isso não seria possível sem boas atuações. Há de se destacar o ótimo elenco, em especial a jovem Gabriela Freire, que vive a protagonista Ana Beatriz; Eduardo Borelli, que estrelou a primeira temporada da série Desalma e vive o hesitante Nonato, funcionário do DOPS; e Leandro Daniel, que dá vida ao desprezível Marcos, uma perturbadora encarnação do que havia de pior na ditadura.

Por mais que a história gire em torno de Beatriz, são os personagens secundários que dizem muito sobre todo o contexto. Por vezes, sem dizer nada. O olhar constantemente nervoso de Nonato, por exemplo, demonstra sua falsa crença no regime, onde repetir aos outros que está apenas trabalhando é uma forma de negacionismo para se autoconvencer de que não faz parte de tudo aquilo. O experiente Daniel Chagas também vive um militar rígido, que parece realmente acreditar no que faz e no porquê faz, embora também hesite; e Marcos, por sua vez, mostra uma face ainda mais obscura: a de quem faz parte de tudo aquilo pelo simples prazer da crueldade, de um regime que lhe dá a oportunidade de ser um monstro sob a batuta da impunidade.

Tudo isso está, como sugere o nome, nas entrelinhas. E estão nelas também os pensamentos e ações da protagonista, que norteiam todo o longa. Durante o filme, nos indagamos diversas vezes se Beatriz sabe ou não dos fatos aos quais é questionada, e qual seu real envolvimento com a VAR-Palmares – se é que ele existe.

A última frase do filme é um soco no estômago; se tomada como a sentença que de fato define tudo o que aconteceu à garota, torna sua jornada de dor e sofrimento ainda mais revoltante.

ESTREIA DE ENTRELINHAS

Com produção da GP7 Cinema e distribuição da Elo Studios, Entrelinhas chega aos cinemas das praças de todo o Brasil no dia 22 de agosto.

Veja o trailer:

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