Provocador e inquietante. Liv Strömquist, autora de A Origem do Mundo – Uma História Cultural da Vagina – que quebrou tabus ao falar sobre os tabus relacionados à vagina – nos apresenta mais um trabalho dotado de sagacidade, desta vez para falar sobre o amor. A Rosa Mais Vermelha Desabrocha – O Amor Nos Tempos do Capitalismo Tardio ou Por Que As Pessoas Se Apaixonam Tão Raramente Hoje Em Dia é seu mais novo trabalho publicado pela Quadrinhos na Cia.
O subtítulo gigante pode assustar, mas tanto ele quanto o título passam a fazer todo sentido conforme a leitura avança. A Rosa Mais Vermelha Desabrocha se debruça sobre a mudança na forma como enxergamos as relações afetivas hoje e como esta mudança ocorreu de um modo geral na sociedade.
Liv Strömquist dialoga com o leitor de um modo bastante informal, mas constrói seu texto de maneia muito consistente sob as teorias de filósofos e sociólogos renomados – contemporâneos ou de outrora – como Platão, Sócrates, Byung-Chul Han, Erich Fromm, Eva Illouz e Søren Kierkegaard – que são também personagens da HQ, se juntando a figuras pop como Leonardo Di Caprio e Beyoncé para criar uma narrativa única, bem-humorada e perfeitamente exemplificada.
Liv se debruça, por exemplo, no porquê de Di Caprio não conseguir ter um relacionamento minimamente duradouro, ou porque a música Irreplaceable, de Beyoncé, fala sobre uma forma de se lidar com o amor que parece induzir a uma posição obrigatória de não-sofrimento ao seu próprio eu. Ainda navegamos, entre outras passagens, pelas tragédias de Lorde Byron e Hilda Doolitle, cujo verso de um poema batiza a graphic novel.
ESTAMOS AMANDO MENOS OU AMANDO DIFERENTE?
A Rosa Mais Vermelha Desabrocha têm como principal debate a influência do que é chamado na obra de “capitalismo tardio” sobre nossa percepção, construção e vivência do amor. A autora levanta argumentos – muito plausíveis – de que enxergamos e vivemos uma relação amorosa, hoje, como consumidores, que possuem expectativas cada vez mais altas sobre seu parceiro.
Tais expectativas, entretanto, não são projetadas pelo que se espera da companhia romântica, mas sim para satisfazer nosso próprio ego. Quando falamos de um produto – por exemplo, um agasalho de futebol que compramos em uma loja virtual – temos hoje a opção de customizar ao máximo nossa experiência, colocando nome, tamanho e alternando as cores. O fazemos para que aquilo se adeque a nós. Hoje, seguindo essa mesma lógica, a sociedade nos imputa a projetar a expectativa sobre relações centradas tão somente no eu; um ótimo exemplo disso são os aplicativos de namoro – que possuem uma série de filtros para que encontremos alguém que se encaixe nos nossos parâmetros.
Tal percepção de amor é totalmente distinta da retratada, por exemplo, nas obras dos séculos XVIII, XIX, e início do século XX, onde o romantismo era enxergado como a “abdicação do eu”. Amar era um ato de entrega, e se declarar, de altruísmo e coragem. Esse tipo de exposição hoje, muitas vezes, é vista como uma fraqueza, um sinal de dependência do próximo e de falta de amor próprio. A autora também não deixa de apontar o quanto a visão patriarcal influenciou (e ainda influencia) a percepção e expectativas sobre uma relação amorosa de modo divergente sobre homens e mulheres.
A HQ não tem (acredito) a pretensão de decidir se amamos mais ou menos, e se o amor de hoje, fruto do capitalismo tardio, é errôneo ou apenas uma consequência do nosso tempo. Liv faz seu diagnóstico, muito bem ilustrado, e cumpre um objetivo interessantíssimo em levantar essa reflexão, mas constata um fato: o amor mudou, ao menos em relação a como o conhecíamos.
A ROSA MAIS VERMELHA DESABROCHA: TÃO DIDÁTICO QUANTO DIVERTIDO
Não seria exagero dizer que A Rosa Mais Vermelha Desabrocha poderia se desdobrar em uma longa, interessante e contundente tese de doutorado. Liv Strömquist divide conosco um trabalho impecável em sua didática, e seu embasamento teórico é extremamente rico.
No entanto, este material não poderia ser mais interessante se não numa HQ tão descontraída, debochada e cativante quanto a criada pela autora sueca. A graphic novel diverte o leitor com a análise sobre a vida amorosa de Leo DiCaprio, o dilema de Sócrates e seus amantes e o abandono de Ariadne por Teseu. Tais análises são, embora por vezes muito engraçadas, extremamente úteis e realmente funcionais.
Os traços de Liv, lisos, caricatos e firmes, também tornam a leitura suave, bem como os balões e letramento informais e por vezes garrafais que compõem muito bem a narrativa. Strömquist se firma como uma voz interessantíssima de se ouvir – ou melhor, ler – no vasto universo das HQs.
A Rosa Mais Vermelha Desabrocha pode ser adquirida no site da Companhia das Letras por R$ 69,90.
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