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Guarani – A Terra Sem Mal (Comix Zone) – Resenha

HQ argentina resgata e desnuda o mais sangrento conflito da América do Sul

guarani - a terra sem mal
Ano Publicação Original: 2021
Título Original: Guarani – A Tera Sem Mal
Roteiro: Diego Agrimbau Arte: Gabriel Ippóliti
Editora: Comix Zone

A editora Comix Zone segue apostando forte em títulos argentinos. Após os bem-sucedidos lançamentos de O Eternauta 1969, Buscavidas, A Grande Farsa, Sherlock Time e Evaristo, somos agora presenteados com o belo, impactante e também inédito por aqui Guarani – A Terra Sem Mal.

Quem assina o título são o roteirista Diegro Agrimbau e o desenhista Gabriel Ippóliti. Se a dupla não tem por aqui a fama dos mestres Oesterheld, Breccia e Pratt, por outro lado não deixam a desejar na estória escrita e majestosamente ilustrada sobre a Guerra do Paraguai – um dos mais violentos episódios da América Latina.

A Guerra do Paraguai – ou Guerra da Tríplice Aliança ou, ainda, a Guerra Grande, como é chamada no Paraguai – foi o maior conflito armado da história da América do Sul e colocou Brasil, Argentina e Uruguai contra o vizinho Paraguai, tendo o país tupiniquim como protagonista da armada. A guerra teve início com a oposição do general Solano López, líder paraguaio, à invasão brasileira ao Uruguai, que enxergou na intromissão brasileira no país celeste uma ameaça à sua própria nação. O desejo expansionista de López acabou levando Argentina e o próprio Uruguai a se aliarem ao Brasil.

O conflito se deu especialmente sobre o Rio da Prata – principal via fluvial da América do Sul e ponto de disputa territorial entre as potências do continente banhadas por suas águas. A guerra cessou somente em 1870; estima-se que suas batalhas deixaram mais de 440 mil mortos, sendo, destes, mais de 300 mil homens – e crianças – paraguaios.

A trama se passa entre os anos de 1868 e 1869, nos mostrando o conflito sob a ótica do fotógrafo francês Pierre Duprat, que chega ao Uruguai durante o conflito, mas escapa do alistamento entre tropas argentinas uma vez que estava contratado para prestar serviços de fotografia aos seus contratantes. O objetivo de Dupont era, seguindo sua especialidade, fotografar nativas guarani, presentes em território paraguaio.

Duprat se junta às tropas da Tríplice Aliança ao lado dos fotógrafos uruguaios Javier e Esteban rumo à Assunção. Durante a empreitada, o francês conhece a verdadeira faceta da guerra, seus horrores e dualidades; acaba, também, em uma jornada de autodescobrimento.

AS CAMADAS DA GUERRA

Guarani – A Terra Sem Mal é muito perspicaz em trazer como protagonista e narrador um estrangeiro, europeu, que se insere no contexto da guerra como, a princípio, apenas um observador. E sob os olhos de Dupont, enxergamos as diferentes facetas deste conflito, cujas motivações, como em toda guerra, nunca são uniformes.

Há, inicialmente, um claro julgamento colonialista, e até preconceituoso com as terras sul-americanas e especialmente à selva paraguaia (uma visão estereotipada até os dias atuais). Seu olhar também nos mostra a arrogância das tropas da Tríplice Aliança, àquela altura certa de sua vitória, e as rusgas que existiam mesmo entre eles, especialmente argentinos e brasileiros.

Conforme se insere em terras paraguaias, Dupont passa a compreender também o ponto de vista dos nativos do país. Há um secto de homens, paraguaios e mesmo entre uruguaios (como é observado em Esteban), que admiram e assumem a narrativa de Solano Lopez, encarando sua empreitada como a de uma luta pela liberdade – do povo, da nação, da América do Sul, do combate à herança do colonialismo europeu. Uma visão que perdura para muitos até hoje.

A HQ mostra essa dualidade – a admiração por Lopez como homem-mor da pátria paraguaia, resistindo até o ultimo fio, mas também um ditador capaz de colocar três mil crianças guarani no front. Crianças estas dizimadas cruelmente pela Tríplice Aliança, lideradas pelas tropas brasileiras do Conde D’Eu, marido da Princesa Isabel. Entre todas as vertentes do confronto, os maiores afetados foram o povo Guarani, inserido na luta do homem branco por orgulho e por terras que sequer poderiam ser chamadas deles.

Guarani – A Terra Sem Mal

O título da graphic novel faz menção à mitologia que cerceia a crença guarani, de uma terra desprovida de malefícios como a fome e a doença. A yvy narane -y. Esta crença, segundo pesquisas, está diretamente ligada aos movimentos migratórios do povo guarani a partir dos processos de colonização que decorreram do início do século XVI. E esta busca está acentuada num momento de dor como pelo qual passavam os guarani durante a guerra.

A HQ mostra a crença e o código de vida guarani quando Dupont é levado por um guia até uma tribo remanescente, e este passa a ser o ponto de virada da trama – um caminho sem volta para o francês, que transformará para sempre sua vida. A forma como as características dos guarani são exibidas e o modo que os indígenas foram inseridos na guerra são um dos pontos altos da obra.

O papel da fotografia

As fotos também possuem um papel narrativo interessante em Guarani – A Terra Sem Mal. Dupont e seus dois colegas representam pontos de vista diferentes, e o que desejam retratar em suas imagens expressam muito do que suas origens e objetivos tratam.

Dupont possui a missão de “retratar belezas exóticas” para exportar à Europa, enquanto Javier e Esteban registram a guerra sob conceitos políticos distintos; enquanto o primeiro se mantém neutro, o segundo deseja expor os horrores propiciados pelo massacre da Tríplice Aliança. Os fotógrafos, de todo modo, enfrentam a censura de seus comandantes.

Dupont se transforma durante a obra, e ao fim dela, a forma com que enxerga o objetivo de suas fotografias – e o poder e entendimento que elas podem causar – acaba também recebendo outro destino.

Um dos únicos defeitos de Guarani – A Terra Sem Mal é acabar rápido! A leitura deixa uma sensação de quero mais, e de que os autores poderiam se aprofundar mais em alguns pontos, seja na ótica paraguaia, na da Tríplice Aliança ou ainda mais nas raizes guarani. Entretanto, é a história de um homem e seu ponto de vista na guerra e, dado isso, é justo que comece e termine onde se entende que este homem cumpriu sua trajetória dentro desse contexto.

Mas que fique claro: é um material maravilhoso, com diálogos precisos e uma arte maravilhosa. De cunho histórico muito necessário, especialmente a nós, brasileiros, que fomos protagonistas do massacre de crianças guarani inocentes. Relembrar este capítulo da história é não varrer a poeira para baixo do tapete, e este belo trabalho o faz para lembrar não somente brasileiros, mas também argentinos, uruguaios e paraguaios sobre as máculas imperdoáveis desse episódio que manchou de sangue países irmãos que, até hoje, ainda sofrem de muitas das mesmas dores.

Guarani – A Terra Sem Mal pode ser encontrado pode ser adquirido na loja da Comic Boom com preço promocional.

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