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Colônia (Globoplay/Canal Brasil) – Resenha

Série retrata o holocausto brasileiro

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Em meio ao turbilhão de séries originais Netflix, Amazon Prime Video e HBO, as produções originais Globo podem acabar passando despercebidas. Mas há muito ouro no Globoplay e em sua gama de canais como o Canal Brasil. Um destes achados (e põe achado nisso) é a série Colônia.

A produção original do Canal Brasil – disponível na plataforma de streaming da Globo por meio do plano de assinatura conjunta com canais ao vivo – retrata um dos episódios mais bárbaros da história do nosso país: o massacre sanitário do hospital psiquiátrico de Barbacena batizado de Colônia, que ficou conhecido como “o holocausto brasileiro”.

O Hospital Colônia de Barbacena abrigou, durante quase todo século XX, dezenas de pacientes diagnosticados como inaptos ao convívio social. A grande maioria destes, entretanto, internados de forma compulsória, sem qualquer diagnóstico médico capaz de comprovar distúrbios. Eram, majoritariamente, alcóolatras, mães solteiras, homossexuais, opositores do governo e outras camadas da população vistas como indesejadas ou à margem da sociedade.

Estes grupos representavam cerca de 70% dos internos, como detalha reportagem da revista Superinteressante. Seus pacientes sofriam abusos dos mais diversos tipos, da violência sexual e emocional às torturas com eletrochoques e processos lobotômicos, comuns ainda à época. O horror só veio à luz popular na década de 80, após anos e anos de terrores ocultados da grande imprensa graças à conivência das autoridades e do governo vigente à época.

A SÉRIE COLÔNIA

A produção assinada e dirigida por André Ristum (O Outro Lado do Paraíso) baseia-se na história do Hospital Colônia tendo como principal fonte o livro Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex. A obra não faz a representação de nenhum personagem real, nem cita nomes reais, mas sim retratando fatos e situações reportadas nas denúnciais que vieram à tona sobre o sanatório, bem como relatos de ex-pacientes que sobreviveram aos seus horrores.

Colônia tem como protagonista Elisa (Fernanda Marques), uma jovem que é enviada ao hospital contra sua vontade após recusar um casamento com um homem mais velho, arranjado por seu pai – e este também descobrir que a garota estava grávida de um então namorado. Ela é jogada no “trem de loucos” por um funcionário de seu pai (cena que já é um chocante cartão de visitas ao espectador).

Durante o trajeto, conhece Gilberto (Arlindo Lopes), um jovem homossexual também internado de modo compulsório, de quem se torna amiga em pouco tempo. Ao chegar no local, Elisa tenta, em vão, reverter sua internação, alimentando a esperança de que tudo não passou de um grande engano.

Porém, o laudo apresentado pelo médico responsável, Doutor Carlos (Aury Porto), a aponta como esquizofrênica – laudo este forjado por um dentista. A menina logo descobre que, no Hospital Colônia, a esperança é uma planta que não se rega. Um local onde se entra com vida, e só sai por meio da morte.

O HORROR BASEADO NO FATO

Não é necessário nenhum esforço para classificar Colônia como uma série de horror. Ou um drama de horror, por assim dizer. A série choca e atemoriza sem precisar de muito para isso: a história real na qual se baseia toda sua trama é suficientemente horrenda e perturbadora.

A série do Canal Brasil não poupa o espectador de ilustrar a barbárie do famoso hospital psiquiátrico; Elisa e seus companheiros de internação sofrem os mais diversos abusos ao longo dos dez episódios da série, que vão, gradativamente, apresentando uma atmosfera de cada vez mais desesperança. E é este o grande joguete da obra: inserir o espectador na claustrofóbica experiência proporcionada pelo holocausto.

O fato de Colônia ser em preto e branco torna tudo mais denso, sombrio, da única forma que se é possível imaginar tudo que se passou ali. Um grande acerto da direção, que possui uma meticulosa fotografia. A escolha pelo P&B, segundo o próprio criador da série, foi natural. “Pensando na história, eu só via imagens em preto e branco, não conseguia enxergar esse lugar de outra maneira. Acho que por conta das referências de fotos e filmes da época, mas, de fato, por imaginar que a vida dessas pessoas não tinha nenhum brilho, era uma coisa muito monotemática”, explica André Ristum.

COLÔNIA SEGUNDO OS PERSONAGENS

Não ter representações de personagens reais, mas sim figuras próprias da estória, abriu à série a possibilidade de apresentar a história do holocausto brasileiro sob a perspectiva de diferentes figuras, que por sua vez são alegorias representativas dos incontáveis pacientes que ali viveram e morreram. E este é um ponto fortíssimo da série, que aliada a toda construção supracitada, criam uma narrativa cativante em todos os aspectos.

Elisa se junta, além de Gilberto, a outros internos como Wanda (Rejane Faria), uma mulher que, assim como ela, também esteve grávida ali, mas teve seu filho tirado de si, há muitos e muitos anos; Waleska (Andreia Horta), uma prostituta internada por ter sido amante de um político local; Raimundo (Bukassa Kabengele), um alcóolatra inveterado, além de outros pacientes que externam alguns estereótipos, mas igualmente reais. São representações dotadas de verossimilhança, de pessoas que tiveram suas histórias “apagadas pela história” e são aqui, de algum modo, lembradas. Embora com suas diferenças, estes pacientes formam uma espécie de comunidade, que se retroalimenta de algum tipo de esperança mútua.

E há, também, o outro lado da história. Colônia possui foco não somente nos pacientes, mas também um holofote considerável sobre o corpo de funcionários que compõem o serviço do hospital, que, por sua vez, encaram seu trabalho de modos muito distintos. Há aqueles como o próprio doutor Carlos e Laura (Naruna Costa), que questionam-se moralmente; e outros como Juraci (Augusto Madeira) e Freitas (Marcelo Laham), o dono do sanatório, que visam apenas o lucro e sucesso pessoal.

A série se aprofunda bastante nesses personagens, trazendo uma densidade incrível a uma trama base já muito bem estruturada. Suas motivações, frustrações, desejos e esperanças são expostos em diálogos marcantes. Ora ou outra, em uma simples troca de olhares entre eles, sem que uma palavra seja dita. E isto só é possível graças às atuações fabulosas do elenco supracitado, com destaque à protagonista vivida pela jovem e brihante Fernanda Marques.

VALE A PENA?

Colônia é não somente imperdível, mas necessária. É uma obra essencialmente humana e honesta, que fala sobre um episódio ainda obscuro do nosso passado recente, mas que não se apoia somente no contexto histórico – já suficientemente forte para prender a atenção de qualquer um. Parte desse ponto para criar uma trama envolvente e dotada de personagens carismáticos, que nos fazem torcer por eles mesmo cientes de que o sol, neste caso, nem sempre nasce para todos.

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