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Adaptação de Anime em Live Action: Por que é tão difícil ficarem boas?

Eu estava na quarta série, com meus incríveis 10 anos de idade na época. No SBT vivíamos uma época mágica com a grande moda de Naruto. Porém, fui pego pela TV Globo que, para competir com a emissora de Silvio Santos, resolveu passar Dragon Ball para bater de frente. Funcionou, pelo menos comigo. Aquele anime de lutas incríveis, personagens carismáticos e humor leve. Para mim, foi amor instantâneo. Imagem então, minha surpresa, quando descobri que havia um filme deste anime. Um amigo meu emprestou-me o DVD para que eu assistisse essa obra prima. Bom, foi ai que me surgiu pela primeira vez a pergunta: Precisa mesmo fazer uma adaptação de anime em live action?

Mas nem só de Dragon Ball Evolution vive essa indústria terrível: Temos diversas filmagens e falhas tentativas de trazer para as telonas as obras japonesas mais famosas, inclusive feitas no próprio Japão, o que nem sempre é sinal de qualidade. Ah, claro, este post é feito para discutir as adaptações de animes em live action, porém muitos aspectos que discutiremos aqui podem ser aproveitados para outros tipos, como adaptações de games, quadrinhos e livros.

A Fórmula da Adaptação

Acredito que a principal discussão envolve um problema geral: adaptações são difíceis. Olhe no âmbito geral desse “gênero” e verá poucos exemplos que realmente funcionam. Adaptações de livros, mesmo aquelas de sucesso como Harry Potter, possuem diversos problemas. Converse com qualquer um que tenha lido a saga de J. K. Rowling e ouvirá diversas críticas as adaptações. O mesmo acontece com a saga de Resident Evil de Paul W.S Anderson, um sucesso comercial, mas bem longe de agradar fãs e críticos. Assim, o sucesos de uma adaptação, antes de mais nada, não envolve um único fator. Afinal, é mais importante agradar o público geral com um filme de ação genérico, como Resident Evil, agradar os fãs originais ou a crítica? Essa pergunta, para o estúdio, tem a resposta obvia de agradar o público geral, afinal é assim que o filme se paga.

Ah, mas e as adaptações de Super-Heróis? Bom, ignorando o sucesso de cerca de 10 anos da Marvel e alguns exemplares de filmes da DC, proporcionalmente, não podemos considerar adaptações de HQs como sucesso. Sequer existe uma fórmula eficiente para essas adaptações, visto que a própria Marvel vem tendo dificuldades de agradar a todos após Vingadores Ultimato.

Adaptação de HQ x Adaptação de Anime em Live Action

Lakeith Stanfield and Nat Wolff in the Netflix Original Film “Death Note”

Ainda sobre HQ, mas já entrando em animes, podemos citar algumas coisas que explicam o insucesso das adaptações de animes em comparação com a de HQs. O primeiro de tudo é que, ao entregar tais adaptações nas mãos de ocidentais, especialmente norte-americanos, comete-se o erro de fugir da cultura original da obra. A famosa “americanização” dos animes em adaptações, como maior exemplo Death Note da Netflix começa exatamente na ausência de japoneses no elenco e produções. Os elementos incomuns das obras originais acabam soando estranhos para os envolvidos nas produções, abandonados e trocados por elementos mais pé no chão, mais comuns. Inicia-se ai a perda de identidade que tanto prejudica estas obras.

E o que as HQs tem a ver com isso? Bem, simplesmente o mesmo não acontece nas adaptações de super-heróis. Por mais bizarra que a história seja, ela é ocidental, os personagens, seus costumes, seu tipo de humor, seu tipo de drama, suas formas de se relacionar. Tudo, por mais criativo que seja, é “comum”, tanto para os produtores, quanto para o público. A identidade narrativa e visual da obra, ao sofrer a dita americanização, se perde e com ela o gosto de fãs pelo produto. Outra questão é que animes costumam possuir uma história só, enquanto os heróis de Quadrinhos costumam ter várias versões e histórias diferentes, o que facilita escolher uma.

As mudanças necessárias

Tais mudanças, implicam em diversas dificuldades. Normalmente, resulta em uma obra que não se aproxima dos fãs, por fugir demais do produto original, assim como não é eficaz em captar um novo público, pois perde parte do charme, do que a obra original tinha de chamativo. Uma das maiores qualidades de qualquer adaptação não envolve 100% de fidelidade visual e narrativa, transpondo para a tela exatamente aquilo que é visto no original. O segredo, num geral, envolve captar a atmosfera.

Veja, por exemplo, Terror em Silent Hill. Se trata de um filme bem diferente do jogo, mas que é eficaz em captar a essência do que é Silent Hill. As mudanças, além de serem na medida certa, não nos distanciam dos personagens e da história. Além disso, a atmosfera de survival horror está presente no filme. As dificuldades, os monstros, a trilha sonora. Tudo, absolutamente tudo, nos leva para Silent Hill. Não a mesma dos jogos, pois a experiência entre as mídias é diferente e essa diferença se faz presente, mas de uma forma distinta e ao mesmo tempo nostálgica.

A Solução

Podemos concluir, assim, que a grande dificuldade das adaptações vem da falta de captar a essência. E este é o grande motivo do sucesso de algumas obras e outras não. Nem sempre o roteirista e o diretor são eficientes em adaptar diferentes mídias mantendo essa essência. A questão é que na construção de seus personagens e universos, os mangakás – e universos fictícios num geral – se aproveitam da liberdade que a mídia utilizada permite. Com isso, temos universos incríveis e únicos, como os de One Piece, Naruto e Dragon Ball.

Estes universos são criados sem se preocupar em como isso ficará em live action e muitas vezes a identidade, a essência visual das obras, envolve elementos que podem, além da dificuldade de se recriar, acabarem estranhos. Imagine, na hora de tentar vender uma adaptação de anime para o grande público, alguém apresentando Goku com seu cabelo totalmente incomum? Ou Hisoka e sua aparência de palhaço?

Criando a proximidade com o público

Não se engane. A estranheza visual não envolve só os animes, mas também os super-heróis. Hoje, em tela, os uniformes caricatos e coloridos, ainda que continuem sofrendo adaptações, são muito mais fieis do que costumávamos ver no início dos anos 2000. Observe, por exemplo, como o uniforme do Homem-Aranha foi evoluindo. Para evitar que o vermelho chamativo do Peter de Tobey Maguire ficasse feio em tela e no CGI, o primeiro uniforme dos cinemas possui as linhas cinzas no lugar das teias pretas dos uniformes dos quadrinhos. Além disso, a escolha da palheta de cores e cenas de ação a noite também foram feitas com este objetivo de fugir do cartunesco.

Quando chegamos no Aranha de Andrew, já vemos um uniforme que, apesar de escuro, aceita muito mais o vermelho e azul chamativos do heróis, ainda que a palheta de cores frias ajude, novamente, a evitar estranhezas do público. Porém, em 2012, com a Marvel já fazendo todo seu sucesso e trazendo heróis e seus uniformes aos montes às telonas, a Casa das Ideias fez sua grande aposta: Guardiões da Galáxia. Muito colorido, cartunesco e cheio de coisas que poderiam causar estranheza, o filme foi um sucesso que abriu uma premissa visual que permanece até hoje, abrindo brecha para filmes como Homem-Formiga, Doutor Estranho e até Vingadores Guerra infinita e Ultimato. E, claro, o uniforme nada discreto do Aranha de Tom.

Aplicação em Adaptação de anime em Live Action

Trazendo esta questão visual para nosso tópico, podemos concluir que a melhor forma de lidar com as adaptações de anime, seria acostumar o público geral, que é o grande alvo dos produtos comerciais que são os filmes – falaremos mais disso – apostando em obras mais pé no chão. Dragon Ball? One Piece? Cavaleiros do Zodíaco? Nada disso, são obras difíceis e que não atingirão mais do que seu nicho atual de fãs. Netflix, Disney, Warner e outras grandes empresas precisam entender que precisam apresentar elementos comuns de obras japonesas antes de ir para estas obras mais exageradas.

Exemplos, claro, não faltam. Temos Charlotte, Death Note, Code Geass, Steins;Gate entre outros animes mais pé no chão que servem como introdução para elementos fantasiosos Orientais. Claro, não adianta apostar em obras como estas e não ser eficaz em captar sua essência, como foi com Cowboy Bebop ou americanizar como fizeram com Death Note.

O medo de contar histórias passadas no Japão se mostra totalmente sem explicação quando vemos obras que se passam em outros países fazendo sucesso: Parasita, Round 6, Kingdom, Invasão Zumbi e até mesmo Dark. A série Dark é um fenômeno mundial, Parasita ganhou um Oscar. Ambas provam que não é necessário que o grande público veja uma história se passando nos EUA para gostar. A maioria destas obras que citei, aliás, são obras da Netflix e mérito da empresa por fazer estas apostas e dar liberdade a seus criadores.

A questão Narrativa

Adaptação de anime em live action é algo difícil não só por motivos visuais. Narrativamente, as histórias sofrem com a aceitação do público por um motivo simples: fidelidade. Aqui voltamos àquele assunto da essência. É possível captar a essência da história, dos personagens, do universo, em apenas duas horas? A maioria dos animes, mesmo aqueles que 12 episódios, não cabem em um filme. Imagina desperdiçar toda a construção narrativa da obra original para criar uma história corrida de 2h focada em ação e meia dúzia de coisas iguais pra fingir que estão sendo fieis?

É obvio que não precisa demorar tanto quanto na obra original. Porém, é impossível, mesmo que fazendo uma adaptação mais enxuta, captar e transmitir a essência da história com 10% do tempo que o original gasta para fazer o mesmo. A maioria dos animes gasta bastante tempo com elementos que podem ser eliminados e criar algo menos prolixo, característica esta que deve ser abordada em adaptações. Além disso, é possível contar a mesma história, apresentar as mesmas características e personagens, de mais de uma forma. As adaptações nipônicas de animes, apesar de não serem perfeitas, apostam nisso. Eles entendem os personagens, entendem a essência da história e tentam recriá-las utilizando seus próprios elementos Nem sempre da certo, mas com certeza fica melhor que as tentativas hollywoodianas.

One Piece e a fórmula perfeita

Baseado no tópico anterior, fica claro que o melhor modelo é o de séries e não de filmes, principalmente quando lidamos com histórias grandes como One Piece. Assim, podemos considerar que a Netflix, apesar de ainda gerar duvidas sobre outras decisões, já começou acertando em decidir pelo formato de seriado. Outra questão problemática é o de orçamento. Antes de apostar em histórias grandiosas e que necessitam de orçamentos gigantescos, é essencial ter um público cativo. Voltamos então ao tópico de criar este público utilizando obras menores e mais pé no chão. Ambos elementos se complementam e possuem a mesma taxa de risco. É necessário acostumar o público com elementos de animes, assim como foram acostumados com elementos de super-herói e aumentar o investimento nestas histórias gradativamente.

Neste quesito, a Netflix, ao meu ver, erra bem feio. Além de apostar em uma das histórias mais difíceis de se adaptar que é One Piece, a empresa não fez valer o investimento em obras menores como Death Note e Cowboy Bebop. No que isso resultará? Em uma série que já iniciará cancelada, a não ser que faça um sucesso estrondoso e resulte em muito lucro, já que se trata de uma história caríssima. Essa característica é resultante da falta de paciência da Netflix com tais adaptações e, ao escolher One Piece, a empresa tentou ir no garantido – que seria Dragon Ball, se este não pertencesse a Disney. Dada toda a desconfiança que a empresa passa e sua atual situação de dificuldade, dificilmente One Piece verá sua segunda temporada e um fracasso dessa adaptação pode resultar em uma desistência da empresa que mais aposta neste tipo de adaptação.

A questão comercial

Ainda que a americanização da obras seja um problema, devemos lembrar que no Japão o mesmo acontece. Explico: toda obra, incluindo os mangas originais, passam por restrições e controles criativos para atender certas demandas. Estes controles criativos visam adequar a história para um determinado público de forma a atingir mais pessoas e maior lucro. Naturalmente, este controle faz com que o autor não explore sua história em todo seu potencial. No caso de mangas, este controle ocorre em lançamentos semanais, com regras para o lançamento de capítulos que fazem com que em alguns capítulos determinados acontecimentos precisem ser corridos, assim como alguns enrolados para atingir certos critérios de lançamento.

Estamos acostumados, assim, a consumir produtos já prejudicados pelo controle criativo ainda na obra original. Ao adaptar estas obras, elas passam por um novo controle, incluindo a tal americanização, que visa os mesmos objetivos do controle original. Tem noção como um roteiro original, por melhor que seja, sofre com problemas ao passar por diversas adaptações para atingir um determinado público no Japão e depois passar por mais várias adaptações para atingir um outro tipo de público no ocidente? Pois é! O resultado costuma ser de obras que não sabem quem querem agradar e que acabam não atingindo ninguém de forma positiva.

Em Conclusão

Adaptação de anime em live action, adaptação de jogos, livros, ou até HQ’s em live action sofrem de problemas semelhantes. O resultado? Muitas e muitas falhas e alguns poucos acertos, mas nenhuma unanimidade. A incapacidade de entender seu público e respeitar o processo, leva ao fracasso de muitas adaptações de animes. De certa forma, podemos até mesmo concluir que falta respeito de Hollywood por achar que uma história não será aceita por se passar em outro país; o que, como citei alguns exemplos, já se provou falso.

Uma pena que um possível fracasso de One Piece provavelmente resultará em um esfriamento de novas tentativas. Há potencial em muitas histórias, também já citadas e do nascimento de uma indústria, com suas própria fórmula e regras. Afinal, não dá pra esperar que Animes e HQ’s passem pelo mesmo processo, pois são mídias diferentes. Algumas decisões aqui e ali se mostram corretas, como tornar estas adaptações em série, mas infelizmente insuficientes. Não existe uma fórmula para adaptação de anime em live action, muito menos serei eu que criarei uma. Porém, com certeza, dá pra fazer melhor. Dá pra se esforçar mais e o primeiro passo e entender a essência do produto que se está lidando. Afinal, arte só é arte quando feita com alma.

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