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Tudo em todo lugar ao mesmo tempo – Resenha

Agitando antagonismos dos nossos dias – e também na plateia – Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é uma montanha-russa que honra seu título


Muito já se falou sobre o quanto Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo pode parecer frenético, confuso e meio nonsense (e é, convenhamos, em mais de uma ocasião). Entretanto, os temas abordados não assim são tão raros no cinema: multiverso ou realidades paralelas, relacionamentos em crise, conflitos geracionais, opressão da sociedade em diversas formas (familiar, estatal, racial e de gênero, entre outras), e redenção por amor, bondade ou empatia.

Pós-modernidade ou multiverso?

O tema de rever ou encarar as suas escolhas para mudar o futuro é uma temática corriqueira. Levando-se em consideração o contexto de mudanças climáticas, capitalismo tardio e prevalência de fake news, é de se esperar que, depois de um boom de séries e filmes distópicos (e a humanidade ter feito um monte de nada para reverter a situação), o jeito é sonhar com a salvação vinda de realidades alternativas.

O que dizer então de multiverso? Ser tudo o que se pode ser, aprender com a experiência, atingir seu pleno potencial. Parece até ementa de palestra de coach, mas (até por isso) dialoga bem com o nosso tempo. Não temos mais amarras, não precisamos seguir a carreira ou a vida dos nossos pais.

Divisão geracional polariza a receptividade?

Justamente, um dos papeis de Evelyn que atravessa suas versões é a de transição geracional.

Para nós, netos de imigrantes no Brasil, é mais frequente ter liberdade para fazer escolhas sobre o próprio futuro. Mas os flashbacks de momentos decisivos da vida de Evelyn mostram que, para ela, enfrentar a tradição teve uma intensidade muito maior. E, embora não seja um fenômeno exclusivo de famílias asiáticas, esse processo é exacerbado pelo fato de a família ser imigrante e racializada, e a personagem de Yeoh se vê em meio a crises com as duas gerações. Talvez o mesmo poderia ser dito sobre a recepção à narrativa adotado: frenética, com universos se cruzando sem parar, e atores que  se multiplicam em versões diversas. É uma generalização sem embasamento, mas agradaria menos a gerações acostumadas a histórias, digamos, mais lineares? Teria maior chance com gerações formadas no information overload, o consumo de conteúdos desconexos entre si em feeds infinitos?

Por sua vez, o marido Waymond age como um catalisador de transformações, no próprio universo e através deles: serve de wingman, ora manipulando, ora apoiando Evelyn no desenvolvimento de suas habilidades contra as forças repressoras que, numa análise simplista, são o sistema operando para limitar suas opções e manter a todos em conformidade. Não à toa, a líder das ações de repressão é personificada em Deirdre Beaubeirdre, a fiscal da Receita: burocrática, fiscalizadora, é quem decide o que vale e o que não, a dona e executora das leis. Sintomaticamente branca, loira e de olhos claros.

Capitalismo tardio ou yin-yang?

Aqui pode haver um contraponto à fala de Quan em seu discurso de agradecimento no Oscar: “Isto – isto é o sonho americano”. Será mesmo? A nós é permitido ser tudo o que sonhamos? Ou ao menos ser o que somos capazes? O que restou para os millennials, a primeira geração nos EUA que, mesmo tendo mais tempo de educação que a geração anterior, tem renda menor, dívidas estudantis que não são capazes de quitar, e uma perspectiva de fim do mundo pela frente?

Em Tudo em todo lugar ao mesmo tempo, Jobu Tupaki (Stephanie Hsu) ostenta o bagel, em oposição a Evelyn Wang (Michelle Yeoh), que incorpora o olho.
Jobu Tupaki (Stephanie Hsu) ostentando o bagel, em oposição a Evelyn Wang (Michelle Yeoh), incorporando o olho.

(Atenção: contém spoilers)

Um bagel, o Bagel-x-tudo, – onde Joy (em português, “alegria”) depositou sua vida inteira, sonhos, esperanças e as mínimas coisas do dia a dia – o símbolo de tudo o que poderia ter sido e que não foi. Essas promessas não cumpridas vão se condensando no “nada importa de verdade”, numa possível alusão à frustração (ou mesmo depressão) não apenas de Joy, mas de toda uma geração.

“Um dia eu cansei e pus tudo num bagel. Tudo – todos os meus sonhos e esperanças, meus boletins antigos, todas as raças de cachorro, cada anúncio procurando encontro nos classificados. E tudo desabou (….) A verdade é que nada importa. E, se nada importa, a dor e a culpa por não conseguir fazer nada da vida… elas passam.”

A oposição ao bagel e à frustração vem, mais uma vez, de Waymond. Tanto em símbolo – os olhos que vive colando em tudo, uma imagem em negativo do bagel – como em seu ânimo não apenas positivo, mas atento. Na minha cena favorita, uma referência ao romance irrealizado (ou adiado?) de Amor à Flor da Pele, de Wong Kar-Wai, a versão Waymond CEO (significativamente) inicia a conclusão, em mandarim:

“Você pode achar que sou fraco (….) Quando eu escolho ver o lado bom das coisas, não é por ingenuidade. É estratégico e necessário. É como eu aprendi a sobreviver a qualquer coisa (….) É assim que eu luto.”

A fala é entremeada por outra, em que Waymond pede a todos que sejam bondosos, especialmente quando não sabemos o que está acontecendo.

Esta é a mensagem de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo? O mundo está sendo operado de maneira extremamente complexa, o ódio corroeu as discussões coletivas e não sabemos como escapar dessa armadilha. Resta ver se acabaremos nos entregando ao bagel ou se vamos usar os adesivos de olhinhos em nossas cabeças.

Conseguiremos? Evelyn Wang – que soa quase como EVERYONE (“todo mundo”, em inglês) –, conseguiu.

Trailer Oficial: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo | Diamond Films Brazil

Leia também: Curiosidades sobre Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo e Conheça Michelle Yeoh, vencedora do Oscar 2023 na categoria Melhor Atriz.

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