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Paracuellos (Carlos Giménez, Comix Zone) – Resenha

Obra-prima de Carlos Giménez escancara a crueldade do regime franquista

Paracuellos – Resenha da coletânea de quadrinhos do consagrado autor espanhol Carlos Giménez

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A nona arte possui um poder único de contar estórias. Une escrita e imagem para criar criar uma forma de literatura que, em uma ou duas páginas, é capaz de chocar, emociona e fazer rir como nenhuma outra arte. Paracuellos é uma dessas obras que sintetiza todo o poder dos quadrinhos.

Lançado no Brasil em 2020 pela editora Comix Zone, o álbum reúne os primeiros quatro de oito livros lançados até então pelo autor Carlos Giménez, compilando as três primeiras décadas de seu trabalho à frente da obra que mais marcou sua carreira. Os dois primeiros livros datam dos anos 70 e 80; e os dois restantes entre 1997 e 2003.

Paracuellos é uma obra semi autobiográfica que retrata a infância do autor e o autoritarismo e fanatismo da Espanha franquista (1939-1975). As estórias se passam nos chamados Abrigos Sociais, instituições que cuidavam de crianças carentes (órfãs ou não) regidas pela Falange, órgão militar do governo de Francisco Franco, e a Igreja Católica, importante braço de apoio do regime instaurado pelo ditador durante o período.

Os abrigos, ao contrário do que parece indicar o nome, eram nada mais que organismos de propaganda do regime nacionalista de Franco como uma bandeira de “benevolência”, dirigidos com linha dura  e corrupção por militares e religiosos, onde as crianças sofriam diversos maus tratos.

E é com um duro retrato dessa realidade que a HQ se apresenta, bastando não mais que quatro páginas (as duas primeiras estórias) para nos dar um poderoso tapa na cara sobre a capacidade do ser humano em ser extremamente cruel sob o pretexto de pátria e Deus.

A Espanha de Francisco Franco

Entender o contexto no qual as estórias e personagens de Paracuellos estão inseridos é de grande importância para que a experiência do leitor seja a mais imersiva e impactante possível, ainda que sua ambientação seja extremamente semelhante a de tantos outros países que, assim como nosso, também viveram regimes de opressão e fanatismo.

A Espanha Franquista foi o período em que a nação europeia foi governada pelo caudilho Francisco Franco, após o fim da Guerra Civil Espanhola, cuja origem se deu nos conflitos entre as promessas progressistas da então república espanhola e os desejos conservadores de órgãos mais tradicionais do país, como a Igreja Católica, os monarquistas e o exército. Franco liderou a vitória da ala conservadora, inclusive com o auxílio de tropas nazistas alemãs, como no famigerado bombardeio a Guernica.

O regime fascista – de caráter ultranacionalista e autoritário – instaurado e comandado pelo ditador se estendeu por quase quatro décadas e, tal como na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini, foi marcado por diversas violações de direitos humanos, como restrição da liberdade de expressão, criação de campos de concentração e prisões arbitrárias para “inimigos da nação”.

Os abrigos sociais são parte deste cenário. Giménez revela a forte presença destes mecanismos na rotina das crianças, que eram castigadas para serem educadas “em nome de Deus e da nação”, com forte apelo a símbolos, ritos e a exaltação da figura de Franco como um mito, um herói.

A edição da Comix Zone conta com um excelente prefácio do editor e escritor Pedro Bouça, que vive na Espanha, apresentando muito bem esse contexto junto à narrativa da HQ e a relação do autor com o regime de Franco e sua infância.

Diferença de tom, traço e narrativa em Paracuellos

Carlos Giménez iniciou seu trabalho nos anos 70, já no declínio do regime franquista, com um tom muito mais cru, tanto no traço quanto nos textos, em revistas que começavam a emplacar o sucesso dos quadrinhos espanhóis. Os quadrinhos que compõem o livro 1 desta obra são curtos, porém fortes e angustiantes, um grito de desabafo e denúncia do autor.

No livro 2, que reúne estórias publicadas nos anos 80, Giménez ainda mantém o tom forte de denúncia, mas começa a desenvolver os personagens que cerceiam o universo do abrigo social Paracuellos del Jarama, inclusive sua persona, o garoto Pablito, que sonha em se tornar um quadrinista.

Já os livros 3 e 4 possuem uma linha de estórias um pouco maiores e mais desenvolvidas em torno de cada um dos personagens – baseados em pessoas com as quais Giménez realmente conviveu em seus anos de abrigo – com um traço mais leve, mais caricato, e com toques de humor, que trazem um aspecto mais carismático e envolvente a obra, sem deixar de ter sempre, como pano de fundo, a crítica e exposição dos abusos físicos e psicológicos que ele e seus colegas foram submetidos na infância.

Estes dois livros também mostram, especialmente, como se deu a paixão de Giménez pelos quadrinhos, suas principais inspirações e seu talento que já começava a despontar ali mesmo na juventude.

Paracuellos: mais que um quadrinho, um documento histórico

A obra de Carlos Giménez é mais do que um compilado de um quadrinho de grande sucesso na Europa. Paracuellos é um retrato, um documento histórico sobre um período nefasto da Espanha, cujos fantasmas assolam sua sociedade até hoje. Um regime que deixou traumas e cicatrizes em suas vítimas, e que, também em outros países, ainda encontra aspirações em uma parcela considerável da população.

Fica a expectativa para que a editora Comix Zone – que tem aqui talvez sua mais grandiosa obra até este momento – lance, o quanto antes, um segundo álbum com as novas estórias de Pablito e companhia.

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