Dias Perfeitos, novo trabalho de Wim Wenders, envolve o espectador nas sutis e inescapáveis dificuldades da vida
Com estreia marcada para o dia 29 de fevereiro, Dias Perfeitos chega credenciado pela direção de Wim Wenders e a indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional. A história se concentra na rotina do protagonista Hirayama, que trabalha no primeiro turno diário da limpeza de banheiros públicos no distrito de Shibuya, em Tóquio. A interpretação do personagem silencioso e solitário garantiu a Koji Yakusho o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes de 2023.
Todos os dias, ele acorda ao som de uma pessoa idosa varrendo as folhas caídas na rua onde mora. Levanta, cumpre seu ritual – arruma a cama, faz a higiene pessoal, cuida das pequenas mudas de bordo japonês que coleta nos jardins, pega chave-celular-carteira-trocados, um café na vending machine e sai de carro. Escolhe, entre as muitas fitas cassete, o que vai ouvir naquele dia (talvez o único momento mais dependente de sorte?), e percorre seu itinerário de limpeza.
O cuidadoso trabalho da fotografia e da trilha sonora amplifica o tom poético do cotidiano, enquanto os imprevistos adicionam pinceladas de caos do tempo em que vivemos.
Luzes e sombras – uma referência a komorebi, que literalmente significa “a luz do sol que vaza por entre as folhas das árvores” –fazem reluzir os momentos de realização pessoal de Hirayama: a contemplação da luz solar e sua relação com as árvores (ele mesmo uma delas, possivelmente). Ao mesmo tempo, temos a onipresença da Tokyo Skytree, a torre mais alta do mundo, como uma sequoia gigantesca, desajeitada e artificial a sombrear o bairro onde mora.
As músicas, cuidadosamente selecionadas, não apenas revelam o anacronismo da personagem principal; atuam como co-narradoras e não apenas fundo contextual. A começar pela faixa “Perfect Day”, de Lou Reed (a quem o nome da sobrinha, Nico, talvez faça referência, além de emprestar o nome ao título), passando por outros clássicos como “House of the Rising Sun”, “(Sittin’ On) The Dock Of The Bay” e “Sunny Afternoon”, evocam a luz do sol, seus reflexos e sombras nos movimentos da vida humana – um komorebi acústico, digamos, como o despertador de Hirayama (a vizinha idosa que varre as folhas toda manhã).
A obra pode soar como um elogio meio óbvio à vida das pequenas coisas e dos pequenos prazeres (como tantas outras), ou uma dedicatória ao viver o presente. Mas à medida em que a história evolui, Wenders semeia a dúvida. Isolando-se em seu mundo particular, Hirayama abraça sol e sombra, silêncio e sons, mas não parece ter a mesma flexibilidade com a memória e o inesperado. O passado é algo que insiste em permanecer, enquanto um futuro surpreendente espreita a cada esquina, a cada encontro fortuito – cada personagem apresentando suas próprias frustrações. A rotina, que tenta preservar de forma gentil, mas rígida, revela-se frágil.
Fica a impressão de que esse último equilíbrio, de aceitação do imprevisível, é o trauma que falta resolver (não temos todos?). Enquanto o sol ilumina seu rosto, Hirayama nos pergunta na voz de Nina Simone: “Sun in the sky / You know how I feel”. Não sei dizer, mas fico com a sensação de que Hirayama quer apenas ser uma árvore.
O filme entra em cartaz no dia 29 de fevereiro, em lançamento O2 Play e MUBI. Mas corre e aproveita que já tem sessão amanhã, sábado 17, na Cinesala.
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