Em sua estreia como diretora, Celine Song mescla sutilezas e dores da jornada humana em um mundo cheio de possibilidades
Uma das coisas que eu mais gosto na experiência de ir ao cinema é de discretamente ouvir a opinião das pessoas, na saída (como no meu texto sobre Decisão de Partir). Desta vez, eu tinha uma expectativa ainda maior, ao ir à Cinesala para ver Vidas Passadas – trabalho de estreia da diretora Celine Song que recebeu duas indicações ao Oscar, de melhor filme e melhor roteiro original. Queria muito ouvir o que as pessoas com quem dividi a sessão tinham a dizer sobre o longa a que acabáramos de assistir, ainda no calor dos créditos que sobem pela tela. Mas, na pressa (minha e de todos), não tive sucesso.
Por conta do trailer, dos inúmeros comentários, das críticas destacadas nos cartazes e das inescapáveis cenas que pipocavam no feed do Instagram, ainda antes de comprar os ingressos a minha aposta era de que as pessoas iam fazer comparações à trilogia “Antes” – Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013) –, que ocupa um lugar consagrado no imaginário do público, especialmente entre Geração X e millennials.
Afinal, trata-se de uma história de desencontro que pode ser resolvida muitos anos depois, com uma romântica reunião de almas-talvez-gêmeas, a reconexão de um amor que podia ter sido e que não foi.
Além disso, Vidas Passadas é geracional, como a trilogia: as mudanças na dinâmica dos relacionamentos que testemunhamos estão intrinsecamente ligadas às experiências dos millennials: última geração a crescer sem redes sociais, a magia da redescoberta na internet de uma pessoa com quem perdemos contato, a expectativa do reencontro, a rejeição do relacionamento à distância, são aspectos quase documentais dessa época.
Mas, apesar de o trailer oficial vender o filme como um romance e se apoiar em um suposto “feitos um para o outro”, pelo menos na minha cabeça, não se trata de uma história de amor. Tampouco de “desamor”.
O título original sutilmente oferece uma dupla leitura, podendo significar tanto “vidas anteriores”, como “vidas encerradas” – uma diferença que traduz a própria evolução da trama. Na narrativa, abarca um conceito – in-yun, em coreano – apresentado na trama como “destino” ou “providência (divina)”, e também os diversos ciclos que atravessamos em nossas existências: é uma história sobre as vidas que passam (no sentido de acontecerem e se acabarem) durante as nossas vidas, de como somos feitos dessa sequência de vidas – e o processo de luto.
Somos conduzidos por essas vidas de maneira delicada e despretensiosa, navegando em uma atmosfera permeada por sentimentos em suspensão (e as excelentes atuações me despertaram uma dúvida: será que é preciso ser descendente de pessoas do leste da Ásia para ver todas as nuances da atuação de Greta Lee? divago).
A diretora Song, como a protagonista, emigrou da Coreia do Sul para o Canadá, aos 12 anos de idade. Esta é a passagem de vida, digamos, mais objetivamente descrita, a vida antes da emigração e a posterior: mudança de casa, de idioma, de rotina, de nome – a alteração da própria identidade.
Na primeira passagem de 12 anos, há a transição para a vida adulta, o amadurecimento: a dificuldade do processo de se construir como pessoa. Uma nova pessoa, invariavelmente. Uma nova vida. Perseguir uma carreira, não se desviar dos sonhos e encontrar uma parceria – algo que aprendemos ser inegociável para a protagonista.
Outros 12 anos se passam, e o presente ainda é permeado por fantasmas. Chega a hora – talvez a mais decisiva, quando sentimos que temos menos margem para errar, porque não temos mais tanto tempo para compensar – de fazer o balanço entre a vida real, a tediosa e prática do dia a dia, contra a vida idealizada, o sonho do destino. Algumas histórias podem ser bonitas, mas a vida é o que a vida é. Prosaica. Sem brilho ou glamour. Ou seria conformismo? Estaríamos velhos demais para mudanças?
Não é fácil reconhecer que uma vida que tínhamos chegou ao fim, e cada final cobra um luto dessa despedida – a aceitação de que deixamos para trás uma vida que não existe mais. Por outro lado, seguimos com a vida que estamos construindo, em um (árduo) caminho possível. Em entrevista ao jornal The Guardian, Greta Lee afirmou que conseguir seu primeiro papel como protagonista após 2 décadas de carreira, “restaurou minha fé [na indústria] em termos do que é possível agora”.
Que, daqui pra frente, esta seja a vida.