Longa aborda angústias da individualidade em um ambiente coletivamente opressor
Agreste, longa co-dirigido por Sérgio Roizenblit e Ricardo Mordoch, traz adaptação da peça homônima do dramaturgo pernambucano Newton Moreno, que assina o roteiro ao lado de Marcus Aurelius Pimenta, e tem estreia marcada nos cinemas brasileiros para o dia 14 de novembro.
A trama tem início quando Maria (Badu Morais), uma jovem com casamento prometido, e o trabalhador rural Etevaldo (Aury Porto) decidem fugir juntos para viverem seu amor.
O subtítulo, “Só Deus sabe e eu sinto o peso que carrego”, já prenuncia que há angústias ocultas e destinos inescapáveis. Maria diz, a certa altura: “isso é coisa que se decide? o destino da gente?”, de forma aparentemente contraditória – no seu jeito leve, mas sério, a mais inocente das personagens já aprendeu isso.
As poucas falas concentram uma riqueza de detalhes, além de potencializar as atuações do elenco, mantendo a atmosfera de incômodo e suspense mesmo nas cenas mais prosaicas. Se, por um lado, a formalidade e os costumes parecem ora gentis, ora sem sentido, são momentos de sutil demonstração de sua força e enraizamento na vida diária.
O cenário adverso composto por fotografia e figurino, esmaecidos como os ânimos das personagens, que lutam contra a improbabilidade de realizarem seus desejos mais básicos – um casamento por amor, uma vida tranquila em família, uma boa morte.
Diante dessa perspectiva, como lidar com o fardo da frustração – especialmente quando a realização desses desejos reside em outras pessoas? O anseio por afeto se torna sede de vingança, mal disfarçada de justiça.
Mas a ordem da fé e da lei não é sacramentada pelas instituições – representadas nos apelos do padre em seu hábito e dos comandos dos policiais em suas fardas. Nem salvação, nem justiça são palpáveis quando os Códigos são construções excessivamente abstratas para uma realidade objetiva demais.
A resolução é dada pelo soldado à paisana, pela religiosa que faz a sua pregação, pelos obreiros que atuam na escuridão da noite – infantarias informais, compostas dos anônimos ordinários que engrossam suas colunas, carbonizando qualquer memória de que, um dia, foi possível sonhar em ser feliz ali.
O longa sagrou-se vencedor do Cine PE Festival 2023 nas categorias Melhor Fotografia (Humberto Bassanello), Melhor Ator Coadjuvante (Roberto Rezende), Melhor Atriz Coadjuvante (Luci Pereira), Melhor Roteiro (Newton Moreno e Marcus Aurelius Pimenta) e Melhor Filme Júri Popular.
ATENÇÃO: SPOILERS ADIANTE
A revelação do segredo de Etevaldo dispara inevitável lembrança a outra obra, pelos inúmeros paralelos que podem ser estabelecidos. A começar pelo próprio título, evocando ambientes no sertão do Brasil, passando pelos nomes adotados pelas protagonistas que carregam o segredo: Etevaldo em Agreste, Reinaldo em Grande Sertão: Veredas. Os subtítulos, propondo uma colisão entre “Só Deus sabe e eu sinto o peso que carrego” de encontro a “O diabo na rua, no meio do redemoinho…” roseano.
Matias, cuja astúcia talvez tenha persuadido Etevaldo a revelar seu segredo diadorínico, seria o sucessor do futuro próspero de Riobaldo? Mais fácil crer que, nestes tempos, nem isso é possível.