Além da visibilidade de questões e pessoas asiáticas, o reconhecimento inédito pode refletir mudanças no padrão estético e no perfil dos eleitores da Academia
Se você olhar os reviews (não tanto as críticas) sobre Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (vou chamar de TTLMT pra facilitar), vai ver que tem muita gente que não entende a repercussão em torno desse filme. Há quem diga abertamente que a atenção é desmerecida – o tal hype. Talvez você seja uma dessas pessoas, e tudo bem. Filmes são peças de entretenimento ou mesmo obras de arte, e as pessoas reagem a essas coisas de formas bem individuais. Tem estilo que bate e tem estilo que não bate. “Ah, entendo gostarem, mas ganhar 7 Oscars? exagero!” – todo ano tem isso, só muda o nome do filme.
O barulho pode parecer óbvio agora que TTLMT passou o rodinho na festa da Academia (e também no SAG Awards), mas há aspectos bastante objetivos que não podem ser ignorados.
Em primeiro lugar, a história tem como protagonistas uma mulher e sua família de origem no Leste da Ásia, que emigraram para os EUA décadas antes. Desta vez, entretanto, sem as construções caricaturais de costume – a não ser, talvez, por gerenciarem uma lavanderia, um dos tipos de pequenos negócios frequentemente estabelecidos por imigrantes chineses nos EUA.
Mas este seria apenas o ponto de partida de uma das jornadas da trama: a vida agora é feita de imposto de renda e lavanderia, mas como resultado de decisões que tomamos e de outros fatores muito maiores do que nós (a vida, o mundo, etc). Logo, o multiverso mostra que a Evelyn, dona de lavanderia, sobrecarregada de trabalho, enfrentando uma crise no casamento, e com problemas de relacionamento com seu pai e sua filha, é a versão mais capaz dela mesma – mais que a premiada atriz global, a admirada cantora ou a chef bem-sucedida, possibilidades que ela poderia ter seguido. E que, como ela disse ao receber o Oscar, “Para todos os menininhos e menininhas que se parecem comigo que estão assistindo — isto é um sinal de esperança e de possibilidades”. E Evelyn Wang soa como everyone, como escrevi na resenha de TTLMT aqui no Metagaláxia. Podemos ser cantores, atores, chefs de cozinha internacional, lgbtqia+, e também temos direito à nossa parte (sobre pertencer e existir, dá uma olhada no curta Gaijin, de Luca Okido).
É claro que um prêmio tem dois lados: o que recebe e o que concede. E, ainda que o conceder pressuponha um lado com o poder de disponibilizar uma graça ou um favor à outra parte, a celebração de Michelle Yeoh como a primeira mulher asiática a vencer o Oscar de melhor atriz não é pouco. Ainda mais quando lembramos episódios bastante recentes, como no brasileiríssimo caso da novela Sol Nascente, em que Luis Melo e Giovanna Antonelli interpretavam personagens de origem japonesa.
Mas aí vem James Hong e diz: “[naquela época] o produtor disse que os asiáticos não eram bons o bastante e não geravam bilheteria. Agora olha onde a gente chegou, hein”.
Por fim, diz também sobre quem escolhe os premiados. TTLMT venceu títulos dos blockbusters Steven Spielberg, James Cameron e Tom Cruise (pedindo verba para as forças armadas, no contexto da guerra na Ucrânia), além do Rei deles, Elvis. Será um indício da influência de uma nova geração de eleitores na Academia, e do surgimento de novas referências sobre o que vale um Oscar?
Confira também a nossa resenha de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo.
