Com nuances de Um Corpo Que Cai, Decisão de Partir tece encontros e separações que se refletem em longa de ritmo entrecortado
“Que bosta de filme. Podia ter sido um email” – foi o que comentou um espectador, assim que as luzes se acenderam. Mas será que Decisão de Partir, vencedor do prêmio de Melhor Direção em Cannes em 2022, é mesmo tão ruim assim?
O fato de o trailer sugerir um thriller policial mesclado a um romance, assinado pelo diretor Park Chan-wook (do cultuado Oldboy), pode ter criado expectativas por 139 minutos de ação e violência. Mas a obra exige alguma paciência, tanto por sua riqueza de detalhes em algumas sequências, quanto com tramas paralelas que afastam o detetive do fio principal e quebram o ritmo. Por vezes, cenas mais cadenciadas preenchem mais a história do que as cenas mais frenéticas, que parecem correr para longe dela – e isso talvez explique o nosso espectador insatisfeito.
A história começa apresentando o detetive Jang Hae-joon, que sofre de insônia e passa suas noites espionando suspeitos. Ao investigar a morte de um alpinista, morto ao cair de um penhasco, fica obcecado por Song Seo-rae, viúva da vítima. Esse envolvimento acaba por prejudicar sua objetividade no desenrolar da narrativa.
(Atenção: contém spoilers)
Soa como uma mistura de Janela Indiscreta e Um Corpo que Cai, talvez? Só que há uma inversão: se em Um Corpo Que Cai o ex-detetive Scottie desejava fazer de Judy o retorno da falsa (e cúmplice de assassinato) Madeline, o detetive Jang quer fabricar uma inocente Judy a partir de uma Madeline assassina.
O filme evolui no crescente envolvimento e intimidade entre as duas personagens. Primeiro, da parte do detetive, de tocaia, que por meio de binóculos se imagina no mesmo ambiente analisando a suspeita. Depois, ainda à distância, conversam por mensagens, até que os encontros se tornem presenciais. Então, como no filme de Hitchcock, há uma separação; meses mais tarde, um reencontro fortuito a que se segue uma repetição falseada da primeira parte da história: uma outra mudança, a morte de uma outra mãe, o cadáver do novo marido, uma segunda investigação.
O Google Translate traduz o título original como “decisão de rompimento”, que daria uma ideia ainda maior de separação. Mas a escolha acerta por conta das fronteiras invisíveis estabelecidas no roteiro: a imigrante e o nativo, a criminosa e o policial, os vivos e os mortos, o passado e o futuro, os apaixonados e os conviventes convenientes. O encontro é o breve instante em que tais fronteiras são cruzadas: Jang tenta aprender chinês, não denuncia Song pelos crimes que sabidamente cometeu; Song passa a confiar naquele cuja responsabilidade é prendê-la, e ao final decide partir justamente por amar Jang. A partida é a constatação inevitável de que não se pertence ao outro lado.
E a jornada de Song Seo-rae é cheia de partidas. É uma imigrante chinesa que ainda não domina o idioma coreano; sua mãe, em estado terminal, lhe pediu eutanásia. O descompasso entre encontros e separações só acaba quando termina, na impossibilidade da conciliação, na união possível apenas em um estado de eterno suspense – e a cena final, apesar de decretar a separação definitiva, deixa o detetive Jang desprovido de qualquer certeza. A não ser, é claro, por mais algum encontro fortuito (e mórbido) no futuro.
Falamos sobre outro filme do diretor Park Chan-wook, A Criada, aqui. Confira!