Jeremias: Pele (Graphic MSP) – Resenha

Vencedora do Prêmio Jabuti é uma leitura fundamental a todas as idades e públicos

Ano Publicação Original: 2018
Título Original: Jeremias: Pele
Roteiro: Rafael Calça Arte: Jefferson Costa
Editora: Panini/MSP

Significar é, entre diversas e relacionadas definições, “ter o significado ou o sentido de; querer dizer. E é trazendo sentido e sobretudo a fala a um dos mais antigos personagens de Mauricio de Sousa que Rafael Calça e Jefferson Costa nos presenteiam com uma obra-prima em Jeremias: Pele.

Anunciado ainda em 2016 e publicada em 2018, a obra, décima segunda produção da série de Graphic Novels do universo de Mauricio de Sousa, venceu o Prêmio Jabuti em 2019 – o mais importante prêmio da literatura no Brasil – na categoria Histórias em Quadrinhos. Foi a primeira HQ da linha Graphic MSP a conseguir tal feito. E não é para menos.

Jeremias: Pele

Jeremias: Pele nos insere na rotina do personagem homônimo, criado em 1960 por Mauricio, como um recorrente personagem coadjuvante, mas que poucas vezes estrelou estórias dentro das revistas da Turma da Mônica (a primeira estória que levou seu nome data de 1983, mais de vinte anos após sua criação). Calça e Costa criam ambiente, bagagem e profundidade para o menino.

A HQ nos apresenta a Jeremias, seus pais e sua rotina na escola, e nela, suas primeiras e traumáticas experiências com o racismo – seja ele velado, por uma escolha aparentemente inconsciente de sua professora, ou pelas ofensas propagadas por seus colegas, em uma cadeia de discriminação que é propagada há eras e que, não diferente, se reflete também nas crianças, que replicam o que ouvem de seus pais e da sociedade.

Jeremias conta com a ajuda dos seus pais para entender o que é o racismo e, sentindo-o na pele de uma forma dolorosa e injusta, aprende também com eles a buscar forças para combater o preconceito e, sobretudo, orgulhar-se de sua cor e lutar pelo seu espaço de direito.

Sensível, mas dolorosa: a mensagem necessária de Jeremias: Pele

Jeremias: Pele

Jeremias: Pele é uma obra preciosa e muito mais do que uma simples HQ de origem de personagem. Carrega uma mensagem gigantesca, impactante e sobretudo necessária. Rafael Calça possui um texto ágil e de fácil compreensão, mas que é cirúrgico em cutucar as feridas que muitos tentam cobrir; Jefferson Costa, por sua vez, dá vida ao mar de sensações, pensamentos e emoções vivenciadas pelo personagem com muita sutileza e afinco, em traços que nos permitem enxergar em Jeremias (especialmente em seus olhos) os momentos de dor, revolta, reflexão e também entusiasmo e determinação.

Muitas das situações mostradas na HQ foram vivenciadas pelos próprios autores, tornando-a mais do que verossímil; Jeremias: Pele é didática no sentido de que toda a trama reflete a rotina de crianças (e adultos) negros no nosso país, que descobrem, cedo ou tarde, a diferença de tratamento pela cor da pele. Um menino que tem sonhos como todos os outros, que poderia ser astronauta, quadrinista ou o que desejar.

Jeremias: Pele

Um dos pontos fortes da trama é o retrato de situações distintas, mas que também refletem o preconceito, vividos pelos pais do protagonista, mostrando que esse mal ultrapassa gerações, mas que os pais também podem ajudar o filho a lidar e enfrentar as situações com as quais lidaram de um modo diferente hoje.

É um quadrinho vital para os dias atuais; como o próprio Mauricio reflete no posfácio, Jeremias: Pele faz uma reparação histórica em dar voz a um personagem negro (e a a mais personagens negros como um todo), e de usar o tão amplo universo da Turma da Mônica – que fez parte do crescimento de diversas gerações, em sua alfabetização e moldura de caráter – para combater o racismo desde o princípio da infância.

Referências e conexões

Jeremias: Pele está repleta de personagens do universo de Mauricio de Sousa ao longo de suas quase cem páginas. Alguns deles fazem apenas um pequeno cameo, outros, possuem uma influência até mesmo direta na trama, como o Astronauta (primeiro personagem a ter uma Graphic MSP, inaugurando o selo em 2012). Há, aliás, ligação desta HQ com o título lançado por Danylo Beiruth.

Há outras referências à cultura negra no Brasil, e todas elas são descritas e exibidas nos extras da edição, um ponto importantíssimo para que alguns dos ícones que temos no país – sejam em pinturas ou esculturas – possam ser identificados e mesmo apresentado aos incontáveis leitores que tiveram acesso a essa premiada obra da MSP.

Jeremias: Pele

Jeremias: Pele merece todos os louros por sua consagração. É uma obra que possui toda a essências das Graphics, do universo MSP, que cativa, entretem, emociona e provoca. Que se utiliza da nona arte para, com o melhor da narrativa gráfica, criar um marco social na literatura brasileira e dar a um personagem tão antigo um novo significado – o de referência e de inspiração.

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ANÁLISE CRÍTICA - NOTA
Jeremias: Pele
Diego Betioli
Escritor, publicitário, louco por esportes e entretenimento. Autor de A Última Estação (junto com Rodolfo Bezerra) e CEP e um dos fundadores do Meta Galáxia.
jeremias-pele-graphic-msp-resenhaGraphic MSP, vencedora do Prêmio Jabuti, traz novo significado ao Universo de Mauricio de Sousa. Uma oportunidade de dialogar com a sociedade em todas as suas camadas e de significar um de seus mais antigos personagens.

2 COMENTÁRIOS

  1. Jeremias é um personagem adorável, que tem em sua família a base sólida com a qual muitos não conseguem contar durante a vida. Sua relação com os pais e com o avô materno – de quem herdou sua icônica boina vermelha – é uma das coisas mais comoventes que li nos últimos tempos.

    E é justamente essa força familiar que servirá de amparo para o menino, quando este perceber que há pessoas que julgam ter “algo errado” com ele, por causa da cor de sua pele. Quando o racismo bate à porta, é dura a missão de não permitir sua entrada, quase sempre inesperada. Ainda mais que, sorrateiro, ele pode chegar sob a falsa imagem de um amigo de escola / trabalho, de uma pessoa em quem se julgava poder confiar.

    A experiência promovida pelo texto e pelas ilustrações é daquelas que nos prende desde a primeira página. Confesso que li a edição de uma só vez, mas com direito a vários pequeninos intervalos para enxugar as lágrimas que começaram a cair sem que nem mesmo eu me desse conta. Que vontade de abraçar Jeremias e dizer que tudo vai ficar bem, que o mundo é bom, apesar de tudo, apesar de tantos.

    Para completar, o sempre genial prefácio escrito por Mauricio de Sousa afirma que esta é uma história que precisava ser contada, e eu concordo plenamente com isso. E o texto da quarta capa, assinado pelo rapper Emicida é tão pungente quanto fundamental.

    Toda hora parece certa para a chegada de algo que toca nossa alma. Que “Jeremias – Pele” consiga abrir muitos olhos e corações. E que, para o personagem, este seja “apenas” o início de uma jornada que não será tão fácil quanto poderia, mas que há de ser tão brilhante quanto ele merece.

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