Assisti a O Ódio em algum dia de semana no início de Maio, meio despretensioso, até que me dei conta: sabe aqueles atores ou atrizes que parecem ter a mesma fisionomia, a mesma idade e os mesmos papéis que a gente até presume que eles nasceram daquele jeito? E foi assim que me senti em O Ódio (1995), este clássico moderno dirigido por Mathieu Kassovitz e estrelado por Vincent Cassel, muitos anos mais novo e mais esguio. No meu imaginário, Vincent Cassel sempre desempenhou aquele personagem meio pragmático, meio problemático em todos os seus filmes que eu vi. Entretanto, em O Ódio isso foi muito diferente. Vincent Cassel interpreta Vintz, um jovem judeu acompanhado de seus amigos Saïd (Saïd Taghmaoui) e Hubert (Hubert Koundé). Em comum, todos são jovens descendentes de imigrantes e moradores das franjas de Paris.
O próprio nome do longa já dá uma boa ideia do que se trata o filme. Já nas primeiras tomadas vemos um grande conflito entre cidadãos e a polícia francesa, que tenta desmanchar uma manifestação popular. Na sequência, nos é apresentada a manhã seguinte, bem como os três personagens principais e mais uma série de coadjuvantes que nos ajudam a nortear qual será temática do filme. No início do longa há também uma excelente e explícita referência a Taxi Driver (1976) na clássica cena de Robert De Niro se encarando no espelho com uma arma em punhos.
O filme retrata o quotidiano destes três jovens que não têm ocupação e, quiçá, nenhuma perspectiva. Toda a trama se passa exatamente dentro das 24 horas de um dia, algo que o diretor parece ter feito questão de enfatizar entre transições de cenas que acusam o horário preciso em que os fatos ocorrem.
Há um tema central que move estes jovens durante esta jornada pela cidade. E assim, o longa vai se desenrolando e nos mostrando a fria realidade que os acomete, entre o preconceito da sociedade branca parisiense e a truculência sádica policial contra os três garotos.
A figura da polícia também me evocou algumas reflexões neste longa. Mathieu Kassovitz a retrata como se fosse uma milícia: carros descaracterizados, policiais com roupas civis, sem nenhuma conduta de abordagem e um linguajar muito inadequado. Nada muito distante da realidade brasileira, não é mesmo?
Também há espaço para uma leveza cômica. Saïd, Vintz e Hubert protagonizam algumas cenas divertidas como quando eles cometem um delito malsucedido e, do nada, um bêbado surge para auxiliá-los. É como se o filme quisesse mostrar que estes jovens marginalizados pela sociedade reservam alguma inocência.
Penso que O Ódio é um filme que, mesmo décadas depois de feito, nos faz lembrar que os problema sociais nos grandes centros urbanos ainda persistem. A marginalização, criminalização da pobreza, o aparato repressor do estado como instrumento de ordem social, tudo isso segue sendo algo atual e alarmante. Portanto, para aqueles que gostam de filmes, nesta pegada, O Ódio é um banquete para os olhos e um convite à reflexão.
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