Berlim (HQ, Editora Veneta) – Resenha

A obra de uma vida e o retrato fiel de um momento na história

berlim
Ano Publicação Original: 2020
Título Original: Berlim (Berlin)
Roteiro e Arte: Jason Lutes
Editora: Veneta

O trabalho de uma vida. Jason Lutes levou 24 anos para concluir esta obra – uma obra-prima, diga-se de passagem. Berlim, felizmente, chegou ao Brasil, em uma linda edição – com quase 600 páginas – publicada pela Editora Veneta no fim de 2020.

A graphic novel figurou em diversas listas de melhores quadrinhos do ano, como da revista O Grito, e em canais de YouTube como Pipoca e Nanquim e Comix Zone (hoje também editoras e responsáveis por alguns dos principais títulos de graphics que por aqui temos). O reconhecimento não e à toa: Berlim é fidedigno, como uma obra de cunho histórico se propõe a fazer, mas com uma narrativa incrivelmente fluida.

Trata-se de um fiel retrato – sob a ótica de diferentes personagens cujas histórias se cruzam – da capital alemã durante a República de Weimar (1918-1933), período que antecedeu o Reich Nazista. A trama mostra com profundidade as diferentes vertentes políticas e sociais que se cruzaram na cidade durante o final dos anos 20 e início dos anos 30, e que culminaram na ascensão de Hitler e o nazismo.

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Podemos destacar alguns de seus protagonistas: Marthe Müller, uma ilustradora que deixa a cidade de Colônia e se deslumbra com a capital alemã; Kurt Servering, um amargurado jornalista que acompanha com olhar clínico os desdobramentos da política alemã; Anna, colega de Marthe que se torna peça chave em sua mudança em Berlim; Gurdun e sua filha Silvia, que se unem ao Partido Comunista Alemão (KPD), enquanto, paralelamente, seu marido se torna um oficial do partido nazista; e David Schwartz, um garoto judeu com aspirações comunistas, em contraste à sua tradicional família judia.

Berlim cruza as narrativas desses personagens e as esferas sociopolíticas em que estão inseridos e cria uma estória única, dotada de camadas que vão se dissolvendo e trazendo desfechos e revelações surpreendentes ao longo dos três livros que formam a HQ.

Berlim: o grande caldeirão político e social

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Como pode ser visto nos créditos da obra, Jason Lutes mergulhou em uma pesquisa vasta e profunda, de biografias a artigos (alemães e em outras línguas), além de conhecer a própria cidade in loco, e não à toa levou tanto tempo para criar o ambiente mais fiel possível para sua narrativa. Tal processo resultou em uma obra de imersão absoluta e conceitualmente (e visualmente) impecável.

Lutes foi além dos detalhes necessários para criar ambientação e personagens: trouxe à tona as diversas ramificações sociais e política presentes na Berlim dos anos 20 e 30, o coração da República de Weimar. A derrota alemã na Primeira Guerra Mundial levou ao fim do Império Alemão, com a derrocada do Kaiser, e deixou no país cicatrizes e lacunas que atraíram as mais diversas correntes políticas – do marxismo ao ainda nascente fascismo.

No final da década de 20 – onde se passa a maior parte da HQ – Berlim abrigava as sedes do Partido Comunista Alemão (KPD), do Partido Social Democrata e do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores (Partido Nazista), além de ramificações. O KPD e o Partido Nazista ganharam força conforme o governo vigente, uma república semipresidencialista, vivia sob tensão e uma crescente miséria que assolava maior parte da população. As duas frentes tentavam somar a força dos trabalhadores para ganhar apelo popular.

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O levante comunista, entretanto, perdeu força após o Massacre de 1 de maio de 1929, quando manifestantes comunistas foram agredidos e mortos pela polícia abertamente nas ruas de Berlim (tal episódio vital é retratado na HQ), enquanto as correntes políticas já pendiam para o lado dos Nacional-Socialistas. Havia um crescimento vigente de um sentimento antissemita, reforçado pela propaganda nazista, de que os judeus eram os principais culpados pela miséria alemã. O discurso de ódio passou a se inflamar na população em geral e episódios de intolerância a se tornar mais frequentes, com direito a violência urbana.

A graphic retrata, sempre como pano de fundo de seus personagens, o crescimento gradativo do nazismo e como este se deu de modo quase “natural”. Quando nos perguntamos “como a Alemanha chegou até esse ponto?”, bem, Berlim possui algumas respostas – e um relato bastante contundente.

Uma obra indispensável

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Sabendo de todo contexto por trás de sua criação e a profundidade histórica dada a esta HQ, Berlim já seria uma leitura recomendada por si só. Mas além do roteiro incrível e cativante, que dá a este quadrinho semi-documental um ar de drama, suspense e romance, os traços de Lutes também são fascinantes, desde os cenários incrivelmente detalhados às expressões de seus tão intensos personagens.

Uma obra emocionante, com personagens cativantes e palpáveis, e uma leitura incessante em suas quase 600 páginas. Lutes criou um documento histórico em quadrinhos, que deveria figurar nas escolas como parte do aprendizado sobre esse período nefasto e que, infelizmente, ainda possui reflexos tão atuais. A história se repete; mas conhece-la é o caminho para evitar sua repetição.

Ponto altíssimo da Veneta, que traz em seus anexos um glossário sobre os personagens históricos que compõem a história (o que enriquece demais a leitura), bem como toda lista de referências do autor. A HQ pode ser adquirida com desconto no site da Editora Veneta.

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ANÁLISE CRÍTICA - NOTA
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Diego Betioli
Escritor, publicitário, louco por esportes e entretenimento. Autor de A Última Estação (junto com Rodolfo Bezerra) e CEP e um dos fundadores do Meta Galáxia.
berlim-hq-editora-veneta-resenhaA obra de uma vida e o retrato fiel de um momento na história, Berlim é fascinante do início ao fim. Uma aula de história.

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