Análise de Dark, da Netflix.
Dark: O limite da ficção cientifica
Dark é uma websérie de drama e suspense, criada por Baran bo Odar e Jantje Friese e produzida pela Netflix Alemã. Seu lançamento mundial ocorreu no dia 01 de dezembro de 2017 e pouquíssimo tempo depois já conquistou inúmeros fãs.
Resumidamente, a trama se passa em uma pequena cidade alemã chamada Winden, que se torna marcada por fenômenos extraordinários ligados ao desaparecimento de crianças.
Contudo, se você acha que essa análise é exclusivamente sobre a estória traçada em Dark, está enganado. A síntese em apreço te explicará um pouquinho mais da obscuridade cientifica e religiosa da série.
O contato inicial já demonstra por qual motivo a série foi intitulada “Dark”, quando ao mesmo tempo que o telespectador descobre sobre o sumiço de Erik (Paul Radom), também tem que lidar com a experiência de a primeira cena ser o suicídio de Michael Kahmwald (Sebastian Rudolph).
Os primeiros episódios são construídos para apresentar os personagens e fazer com que o espectador associe a composição das principais famílias de Winden, compreendendo a complexidade dos dramas pessoais de cada integrante. Apenas a partir do terceiro episódio é que a websérie deixa as insinuações de lado e revela de fato seu tema central, qual seja: a viagem no tempo.
Viajar no tempo é possível? Segundo a teoria da relatividade restrita, é possível sim. A passagem do tempo para nós depende de algumas circunstâncias gravitacionais, tais como a curvatura do espaço-tempo, ditada principalmente pelo Sol, e a velocidade atingida pelo observador, que necessariamente precisa ser superior a 300 mil Km/h, ou seja, próxima à da luz.
Esses dados científicos nos tornam descrentes no que tange a possibilidade de alcançar uma descoberta de tamanha magnitude, não é? Mas até que ponto Dark é ficção cientifica? Vale pautar que atualmente os viajantes do tempo que temos são os astronautas, que comprovadamente voam a 28 mil Km/h e avançam 0,007 segundos no futuro.
ATENÇÃO: ALERTA DE SPOILER
(Acesse aqui para conferir uma resenha sem spoilers)
Vamos ao paralelo com a ficção: na série, o telespectador descobre que Mikkel Nielsen (Daan L. Liebrenz) desaparece misteriosamente próximo a uma caverna localizada na floresta de Winden, e curiosamente, é transferido do ano de 2019 para o ano de 1986. A partir de então, à medida que se transcorre o enredo, percebemos que no “passado” houve um incidente na usina nuclear localizada na cidade, que por sua vez originou um buraco de minhoca.
Segundo o físico britânico Stephen Hawking, as pontes de Einstein-Rosen (chamadas popularmente de buracos de minhoca) produzem furos no espaço-tempo, que desembocam em outro ponto do mesmo Universo, criando efetivamente um túnel atravessável, podendo levar um individuo ao passado ou futuro.
O problema básico é que se uma pessoa retornar ao passado ou ser remetida ao futuro, ela pode alterar drasticamente a proteção cronológica existente, trazendo consequências gravíssimas a linha do tempo. Pode, inclusive, excluir sua própria existência, se, por exemplo, assassinar seu avô no pretérito.
É exatamente essa a problemática da produção alemã.
No drama, Noah (Mark Waschke) e Cláudia Tiedemann (Lisa Kreuzer, Julika Jenkins) são os personagens chaves, já que se torna nítido que tudo que ocorre é fruto das articulações de ambos. Cada um deles faz parte de grupos distintos, que disputam há anos o direito de viajar no tempo.
A fenda temporal localizada no interior da caverna é um entroncamento entre 3 linhas temporais diferentes, que conectam diretamente os anos de 1953, 1986 e 2019. O lapso temporal de 33 anos entre as linhas decorre do exato alinhamento da curvatura do espaço-tempo e o Sol.
O interesse de Noah e Cláudia é justamente criar uma máquina do tempo para controlar a possibilidade de viajar para qualquer ano do passado ou futuro, não se restringindo exclusivamente aos anos supracitados. Para tanto, Cláudia influencia o Jonas “do futuro” para que este manipule seu “eu” pretérito e solicite ajuda a um relojoeiro na construção de tal máquina. Já Noah, rapta as crianças para utilizá-las em experimentos científicos no quarto “anos oitenta”, que por sua vez fica localizado exatamente sobre a fenda temporal, e acaba por absorver a energia emanada daquele buraco de minhoca.
Ocorre que, os experimentos de Noah estão incompletos, motivo pelo qual as crianças usadas como “ratinhos de laboratório” falecem quando colocadas na cadeira elétrica disposta no aludido quarto. O mesmo efeito se estende aos animais, que diante da pressão exercida em seus corpos, acabam com seus tímpanos estourados e olhos cegados, de modo que o óbito é decorrência da situação de desorientação.
A título de curiosidade, o nome Noah é uma cristalina alusão à bíblia e a Noé. O personagem é um paradoxo criado pelo enlace de 3 linhas temporais, e por isso manipula aquilo que ocorre ou deve ocorrer, de modo que o resultado seja que ele se mantenha vivo por longos anos. No mais, além de não envelhecer, Noah tem uma tatuagem que cobre suas costas integralmente – trata-se de um símbolo de religiosidade e ocultismo chamado Tábua de Esmeralda, escrito por Hermes Trismegisto.
Ao longo da estória é possível perceber que a série demonstra claras referências aos princípios básicos de Hermes Trimegisto, essencialmente por meio das falas do personagem Noah. É ressaltado como o universo é mental, e como existe correspondência entre absolutamente qualquer coisa, devendo existir uma interação harmônica e sábia entre os polos. O drama aponta que tudo se transforma e nada desaparece, e que qualquer causa tem seu efeito, sendo possível antever as reações, comandando os ciclos vitais para atingir o puro equilibro.
Importante frisar que Noah não escolhe suas cobaias aleatoriamente, mas sim de acordo com um plano existencial já traçado. É com as informações que o personagem mantém escritas em seu caderno que o mesmo consegue influenciar Helge Doppler (Hermann Beyer, Peter Schneider) e Bartosz Tiedemann (Paul Lux) a auxiliá-lo nos experimentos.
Nota-se que todas as crianças raptadas por Noah possuem a morte como destino, inclusive os personagens de destaque Erick e Yasin (Vico Mücke), que aparecem na obra de construção da usina em 1953, e Mads Nielsen, que aparece na casa de Helge, próximo à caverna, no ano de 2019. Mas vocês repararam que entre as crianças desaparecidas, existe uma única que não fora sequestrada por Noah e que sobreviveu?
Sim, Mikkel Nielsen fora transportado para o ano de 1986, onde conheceu Ines Kahnwald (Angela Winkler, Anne Ratte-Polle), que por sua vez o adotou. No inicio da série o personagem até tenta retornar para o ano de 2019, porém sem sucesso. Conformando-se com sua nova vida, Mikkel cresce e se torna Michael, casando-se com Hanna Kahnwald (Maja Schöne, Ella Lee), com quem tem seu filho chamado Jonas Kahnwald (Louis Hofmann, Andreas Pietschmann).
Supõe-se que Mikkel viajou no tempo para dar continuidade a linha temporal, e inclusive, há teorias que defendem a possibilidade de o próprio Michael mais velho ter raptado Mikkel novo, justamente para manter a circularidade do tempo. Por essa mesma razão é que o personagem mais velho se suicida e deixa cartas para Ines e Jonas, que só podem ser abertas após 04 de novembro de 2019.
O fim é o inicio e o inicio é o fim.
Ao que tudo indica, o personagem principal e o centro da trama é justamente o Jonas Kahnwald, já que ele é o próprio paradoxo da série, ou seja, é o oposto do que pensa ser. No último episódio o próprio Noah menciona que “O Jonas mais velho irá destruir o buraco, mas não sabe que é assim que ele cria a possibilidade da sua existência”.
Importante lembrar que o Jonas segue os passos da Cláudia, que o induz a acarretar uma explosão para destruir a fenda temporal através da máquina do tempo construída pelo relojoeiro. Contudo, o Noah menciona que tudo faz parte de um plano maléfico de Cláudia e que na realidade, o intuito não é ajudar Jonas, mas sim coloca-lo em um looping eterno.
Ainda é muito cedo para os telespectadores compreenderem se existem um lado do “bem” e outro do “mal” e a qual dos lados os personagens Cláudia e Noah pertencem. O fato é que com o sucesso do funcionamento da máquina do tempo, Jonas foi transportado de 1986 a 2052, transcorrendo um lapso temporal de 66 anos ao invés de 33. Será que a invenção deu realmente certo?
O ambiente pós apocalíptico retratado em 2052 parece ser consequência dessa confusão causada por Jonas, Noah e Cláudia, demostrando o produto das intervenções acarretadas no tempo-espaço. Talvez o motivo de apenas Jonas ter sido enviado a um futuro tão distante esteja fundado em sua predestinação para estabilizar o tempo-espaço? Ou talvez exista um outro ser que tenha o controle, movendo Noah, Cláudia e Jonas como peões em um jogo de tabuleiro?
A primeira temporada de Dark, sinalizada integralmente por fotografias frias, sons pesados e dotados de muita melancolia, e trilhas intimidadoras termina com inúmeras dúvidas pairando na cabeça dos espectadores e com a imensa ansiedade para que a segunda temporada da série esclareça as curiosidades e disponha ainda mais sobre assuntos científicos.
Para conferir outras matérias sobre séries da Netflix, clique aqui.
Será que eu li direito? Tem uma parte do texto escrito usina hidrelétrica, mas acho que o correto é NUCLEAR
Opa Lucas, obrigada pela dica! Infelizmente algumas vezes alguns errinhos passam em decorrência do costume. Que bom que nos avisou sobre o equívoco, que por sua vez já foi alterado!
O grande paradoxo temporal, em que o tempo é visto como um infinito vídeo postado no youtube: está lá para se dar um play no ponto que quiser ao momento que quiser, como se o tempo estivesse sempre no estado presente.
Seria mais plausível (e menos interessante) se compreende-se que a relatividade do tempo existe, contudo, este só tem um caminho: o futuro. A viagem no tempo, portanto, seria apenas para o futuro. Uma vez este se tornado presente (ao ponto de vista do observador), a nova viagem só seria para o futuro. Isso resolve todos os paradoxos (No de volta para o futuro, a mãe de Marty se apaixona por ele, fazendo como que ela não se casasse com o seu pai, logo, não nascendo. Mas se ele não nasceu, sua mãe não poderia ter se apaixonado por ele. Portanto, ela voltaria a se casar com o seu pai. Esse é o paradoxo da viagem para o passado – Bom, a única solução plausível é a dada por Dragon Ball Z kkkkk)
Obrigada pelo comentário Eduardo!
É exatamente essa a questão, e inclusive pensei no de volta pro futuro quando escrevi! Interestellar e Donnie Darko tem teorias semelhantes.
Eu como boa fã de DBZ bem sonho com essa realidade impossível rs.