
Jogadores questionam a relação entre a desenvolvedora de Atomic Heart e o governo russo
Com lançamento programado para amanhã, Atomic Heart parece misturar tendências provenientes de grandes clássicos do gênero FPS, como BioShock e a série Metro. Desde a aparição do primeiro trailer do jogo, em 2018, o título da desenvolvedora novata Mundfish está cercado de expectativas e algumas controvérsias. Entre elas, os laços entre a desenvolvedora e o governo russo que, no ano passado, começou uma longa e brutal invasão da Ucrânia. Assim, os jogadores se perguntam até que ponto é moral consumir Atomic Heart, um jogo que pode estar ligado com a invasão russa da Ucrânia. As informações são do portal PC Gamer.
Posicionamentos dúbios acerca da invasão
Apesar da Mundfish declarar que a sua sede se localiza em Chipre, é bem claro que trata-se de um estúdio de raízes e equipe russa. Contudo, esses fatos são circunstanciais e não representam prova de que a desenvolvedora coaduna com as atitudes violentas do governo de seu país de origem. Inclusive, a Mundfish foi rápida em condenar a violência quando usuários do Twitter fizeram questionamentos acerca da sua opinião no que diz respeito à independência da Ucrânia, apesar de não o ter feito em termos tão claros. Através de uma postagem na rede social, a empresa alegou que é “uma equipe global focada em um jogo inovador e inegavelmente uma organização pró-paz contra violência contra pessoas”.
No entanto, os usuários do Twitter denunciaram o caráter genérico da condenação da Mundfish à guerra, apontando o fato de que a desenvolvedora de Atomic Heart não foi nem capaz de nomear as pessoas que estão sendo verdadeiramente oprimidas no contexto da invasão russa. Depois, a empresa começou a bloquear usuários que continuavam a inquirindo sobre sua posição nesse assunto. E, por fim, em outra postagem, a desenvolvedora adicionou que não comentaria em assuntos relacionados à política e a religião. Aí temos mais um exemplo das tentativas de separar os games da política, algo visto atualmente nas polêmicas cercando outro lançamento, Hogwarts Legacy.
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Investimentos de fontes questionáveis
Além disso, uma tentativa de rastrear as fontes do investimento na Mundfish pode pintar um quadro ainda mais complicado para a empresa. Em fevereiro de 2021, a desenvolvedora informou que havia assegurado verba de três investidoras importantes, sendo elas Tencent, GEM Capital e Gaijin Entertainment. A Tencent é uma daquelas gigantes silenciosas da indústria de jogos. Esse conglomerado chinês possui uma parte da Epic, da Ubisoft, do Discord e é proprietária da Riot Games. A húngara Gaijin ficou mais conhecida por War Thunder e também foi fundada na Rússia, apesar de não possuir mais estúdios por lá. Contudo, no caso da GEM Capital, temos o fundador da companhia, Anatoliy Paliy, que atuou como diretor de uma subsidiária da Gazprom, a maior fornecedora de energia da Rússia.
A Gazprom é uma empresa controlada pelo estado russo, que recentemente reportou ganhos bilionários para o governo. Trata-se de organização que age como uma das mais eficientes ferramentas do governo russo na guerra econômica contra o oeste. Além disso, na semana passada, a empresa anunciou que está criando a sua própria empresa militar privada para contribuir na corrida armamentista russa. Sendo assim, as fontes do financiamento de Atomic Heart sustentam os indícios de que o jogo pode estar ligado à invasão russa da Ucrânia.
Além do mais, na Rússia, Atomic Heart será vendido na plataforma da VKPlay, que é gerenciada pela VKontakte, o “Facebook da Rússia”. Essa plataforma digital tem a Gazprom como controladora através de investimentos do próprio conglomerado e de subisidárias.
Coleta de dados para o governo russo
Apesar de ser uma empresa sediada em um país do Oriente Médio, o site da Mundfish informa que informações coletadas dos usuários podem ser fornecidas ao governo russo. Em especial, há a possibilidade de repasse desses dados para autoridades de estado russas ou entidades governamentais, como o Serviço Federal de Segurança. O propósito da utilização desses dados não é especificado.
Além disso, o interessante é que, no site, a empresa não oferece esse aviso em língua inglesa, apenas na versão em russo da página. A empresa nega as acusações de que fornece informações de usuários ao Estado russo, apesar de dizer o contrário nos termos de uso para o seu website. Todos esses fatos levantam a questão: se a Mundfish não é uma empresa russa, por que ela fornece informações ao governo russo?
Uma empresa de mãos atadas?
Contudo, pode simplesmente ser o caso de que não há muito para uma empresa como a Mundfish fazer nesses casos. Afinal, sendo responsável por uma equipe russa, a desenvolvedora precisa lidar com a dura penalização do estado contra qualquer protesto interno ou até mesmo diante de uma leve demonstração de descontentamento com o governo.
Há diversos relatos de protestantes sendo duramente punidos pelo governo, que não mede esforços para assegurar o funcionamento ininterrupto de uma eficiente máquina de guerra. Trata-se de um sistema financiado por oligarcas que sustentam laços íntimos com organizações estatais e que não têm nenhum problema em violar a liberdade de expressão em benefício aos seus próprios interesses.
Contudo, a própria data de lançamento de Atomic Heart, dia 21 de fevereiro, gerou controvérsias em meio a todo esse contexto. Afinal, a ocasião é bem próxima do aniversário de um ano da invasão russa da Ucrânia, que ocorreu em 24 de fevereiro de 2022. Isso fez com que os internautas questionassem se o evento de lançamento de Atomic Heart não seria uma homenagem silenciosa a esse dia.
É errado comprar Atomic Heart?
Diante de todos os indícios de que a Mundfish sustenta laços com o governo russo, os jogadores podem ficar com um pé atrás acerca de se é moral ou não consumir um jogo como Atomic Heart, que pode estar ligado à invasão russa da Ucrânia. Recentemente, vários jogos estão passando por esse tipo de controvérsia, desde Hogwarts Legacy e as declarações transfóbicas de J.K. Rowling até Call of Duty e as acusações de abuso contra a Activision Blizzard.
De fato, consumir qualquer tipo de mídia hoje em dia passa por uma avaliação do que há por trás deste produto de entretenimento. Afinal, é difícil imaginar alguém que gostaria de financiar ou apoiar o sofrimento de pessoas vulneráveis. Além disso, é importante o trabalho de conscientização e boicote contra esses produtos advindo de organizações que defendem grupos oprimidos. Isso porque vivemos em uma democracia e é sempre saudável ter acesso livre ao contraditório e aquilo que é complexo. Mas, no final das contas, cabe ao consumidor tomar essa decisão, porque não há uma resposta simples acerca do que é certo ou errado diante desse tipo de dilema.