No Ritmo do Coração (CODA, no original – que significa Children of Deaf Adults, ou seja, uma criança filha de surdos), vencedor do Festival de Sundance, é um drama lançado em 2021 dirigido por Sian Heder e que merece sua atenção. Um verdadeiro tesouro chegou ao Prime Video neste início de ano.
O longa é uma adaptação do filme francês A Família Bélier, de 2014, mas possui algumas diferenças em relação ao original importantes, como a representatividade. A trama, entretanto, parte da mesma premissa – a história de uma garota cujos pais e irmão são surdos e ela única ouvinte no núcleo familiar, e todas as situações que isso acarreta em sua vida.
SINOPSE DE NO RITMO DO CORAÇÃO
Ruby Rossi (Emilia Jones) é uma adolescente de 17 anos e a única pessoa que ouve em uma família de surdos – família esta que vive da pesca há gerações. Como única ouvinte, a caçula acabou, de certo modo, se tornando a liderança da família, abraçando, desde que se entende por gente, a função de intérprete dos familiares tanto nos negócios quanto na vida social.
Todavia, a garota também possui suas próprias aspirações, e possui um talento nato para o canto. Talento este que, ao entrar para o Coral do colégio, aflora e desperta nela o desejo de levar sua voz adiante. Logo, quando o negócio de seus pais é ameaçado, ela se vê obrigada a decidir-se entre seu amor pela música e suas obrigações com a família.
UMA LUPA SOBRE O UNIVERSO DA SURDEZ
A trama de No Ritmo do Coração já é suficientemente curiosa para despertar a atenção: uma garota que é a única ouvinte em uma família surda sonha em ser cantora e possui um talento incrível para isto. Um talento que, de forma nativa, sua família não é capaz de escutar e admirar, gerando por si só, isto, um paradoxo dramático. Mas o longa, felizmente, vai muito além.
O filme se sobressai ao drama adolescente entre sonhos e lições de vida (se não o fizesse, ainda assim seria uma obra interessantíssima pelo plot inicial). É, sobretudo, uma obra sobre a surdez, os desafios dos surdos e como é preciso falar sobre isso, desmistificando preconceitos e ressaltando a importância da acessibilidade.
Sian Heder faz, nesta adaptação, algo fundamental e que é o grande diferencial para um autor que deseja falar sobre um universo ao qual ele não é nativamente pertencente: se aprofundar e trazer representatividade. A diretora aprendeu a língua americana de sinais e se cerceou de uma equipe que possuísse pessoas surdas. E o principal: trouxe atores surdos para o elenco.
Troy Kotsur (Frank Rossi, o pai de Ruby), a vencedora do Oscar Marlee Matlin (Jackie Rossi, a mãe) e Daniel Durant (Leo, o irmão) são surdos na vida real. Esta inclusão é importantíssima e um passo importante para Hollywood – vale ressaltar as discussões sobre personagens trans que são recorrentemente interpretados por atores cis, por exemplo. É mais do que dar verossimilhança a estes papéis (o que, claro, torna a obra mais rica); é permitir que estes talentos integrem a indústria e que mais pessoas se vejam representadas.
O longa também aborda uma questão importantíssima de se discutir: o capacitismo. Muito do drama que gira em torno da situação de Ruby – escolher entre “ter sua própria vida” ou “seguir sendo intérprete” de sua família – parte da premissa de que acreditamos que pessoas surdas não são capazes de viver por sua conta e seguir adiante. É uma condição factual, mas que poderia – e deveria – ser excepcional. Isto ocorre, principalmente, porque enquanto sociedade não temos consciência plena de que o mundo precisa estar adaptado aos PCDs, e não o contrário. Isto, inclusive, é expressado por Leo em um diálogo marcante com sua irmã e resume muito da mensagem do filme.
Aliás, momentos marcantes são o que não faltam nesta obra-prima. Ruby é uma garota incrível e que tenta transmitir o que sente à sua família, da mesma forma que, enquanto começam a enxergar as mudanças pelas quais a menina passa em direção à realização de seu sonho, os pais e o irmão tentam encontrar formas de compreende-la. E, através da linguagem de sinais, e do toque e do sentimento – linguagens estas universais – filha e família conseguem se conectar (a cena de Ruby com seu pai na picape, inclusive, é uma das mais lindas que já vi na sétima arte).
A TRILHA SONORA DE NO RITMO DO CORAÇÃO
E claro, a música é um fio condutor importantíssimo neste filme. De certa forma, No Ritmo do Coração é metade musical, uma vez que possui versões originais interpretadas pelos atores e por arranjadores próprios. Emilia Jones se mostra não somente uma atriz fantástica, mas uma bela cantora, exprimindo emoção e afinação na dose certa em suas interpretações, seja solo ou nos duetos com o também talentoso ator e músico Ferdia Walsh-Peelo (de Sing Street), que interpreta Miles, par da garota.
Fica também a menção a um dos personagens mais cativantes do longa, o professor Bernardo Villalobos (Eugenio Derbez), que mentora a dupla em busca de seu sonhos. O lindo trabalho sonoro é dirigido por Marius de Vries e você pode conferir a trilha sonora nesta playlist presente no Spotify.
VALE A PENA?
2022 chegou chegando nas plataformas de streaming, mas se um título merece sua atenção, este é No Ritmo do Coração. Um dos melhores filmes de 2021, lindo, envolvente, com muito a ensinar. E que, esperamos, ganhe todos os prêmios e visibilidade que merece.
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