1984 (HQ, Quadrinhos na Cia.) – Resenha

Uma nova, impactante e poderosa visita ao clássico de George Orwell

Pode uma obra tão consagrada e publicada há mais de setenta anos ganhar novos contornos tão impactantes? A resposta é sim e pode ser encontrada na adaptação brasileira inédita de 1984 para os quadrinhos, em lançamento da Companhia das Letras pelo selo Quadrinhos na Cia.

A HQ é adaptada e ilustrada pelo artista brasileiro Fido Nesti, cujas ilustrações já são carimbadas em publicações da Folha de São Paulo e na revista New Yorker. Fido também ilustra diversas capas de livros, inclusive da própria Companhia, e também foi responsável pela adaptação de Os Lusíadas para os quadrinhos.

1984 nos apresenta a uma distopia ambientada no ano-título em uma terra batizada como Oceânia, que compreenderia a Inglaterra e também as Américas. A Oceânia vive em conflito alternado com as duas outras nações soberanas, a Eurásia e a Lestásia, que compreenderiam o restante da Europa, Ásia e África.

Os habitantes de Oceânia, desde que se entendem como existentes, vivem em um sistema rígido e 100% vigiado no qual prestam extrema e única adoração à sua nação e ao Grande Irmão, símbolo maior da supremacia da pátria. Em Oceânia, o Partido – que nada mais é do que a cadeia de pessoas responsáveis por decidir o que é verdade no país – controla todos os meios – da produção à comunicação – e, portanto, possui total controle sobre a população, mantendo a hegemonia de sua narrativa distorcida a bel-prazer e, consequentemente, o domínio do poder.

Mas nem sempre foi assim. Ao menos é do que se lembra Winston Smith, funcionário do Ministério da Verdade, que guarda em si memórias de uma infância miserável, mas num mundo diferente e livre – memórias de uma era que está sendo apagada pelo partido. Winston guarda em si o ódio pelo Partido e o desejo de mudança, e descobre, em algum tempo, que não está sozinho.

Esta versão de 1984 é um masterpiece de Fido Nesti, exibindo não somente seu poder impactante de ilustração, mas de narrativa. O desafio de transportar uma das obras mais importantes da literatura de todos os tempos, tão repleta de nuances mas ainda tão atual, não poderia ser simples, mas é surpreendentemente cativante e de uma competência fantástica.

A obra, como toda adaptação – e a agilidade dos quadrinhos imprime essa necessidade – é mais sucinta no que toca ao desenvolvimento da trama e universo totalitário da obra, mas apresenta sua essência e usa-se dos recursos narrativos únicos da nona arte para proporcionar uma experiência que enriquece a leitura para quem já conferiu o livro e o apresenta com muito entusiasmo a novos leitores.

Estes recursos estão não somente no traço do autor, que combina perfeitamente com a trama, mas com uma série de inserções e detalhes visuais somente aqui possíveis, como o letramento impactante, as divisões dos quadros para a construção de uma cena ou sequência, o uso das cores (cinza constante em momentos de solitude e o vermelho em momentos de tensão e apreensão), e, de modo muito impressionante, as expressões e olhares dos personagens, que nos transportam imediatamente à angústia constante a que estão submetidos, criam uma atmosfera única e constante de opressão – tal como se propõe o universo da obra.

Esta linda versão de 1984 da Companhia das Letras é um álbum visual muito belo e completo – conta ainda com um apêndice importantíssimo que nos introduz de forma completa à criação do idioma Novafala, uma reinvenção da linguagem na Inglaterra construída com o objetivo de minimizar palavras e significados e, consequentemente, de coibir o pensamento reflexivo, tornando, a longo prazo, a sociedade em instrumentos de repetição. Essa contextualização é de grande ajuda para que a experiência ao longo da leitura seja ainda mais rica.

1984, nesta nova e belíssima adaptação, se revela mais uma vez uma obra atemporal, que encontra reflexo absurdamente tristes e reais com nossa sociedade ainda hoje, e mostra-se uma excelente porta de entrada para novos leitores de George Orwell e uma experiência incrível para aqueles que já leram o livro e possuem a curiosidade de revisitar a obra sobre uma ótica distinta e imersiva. A graphic novel pode ser adquirida no site da Quadrinhos na Cia.

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ANÁLISE CRÍTICA - NOTA
1984 (HQ)
Diego Betioli
Escritor, publicitário, louco por esportes e entretenimento. Autor de A Última Estação (junto com Rodolfo Bezerra) e CEP e um dos fundadores do Meta Galáxia.
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