Mas você é japonês ou brasileiro?

Festividades do 80º aniversário da imigração japonesa, no Pacaembu (1988). Fonte: Embaixada do Japão no Brasil

Eu nunca fui ligado à cultura ou à comunidade nipo-brasileiras (queria muito não colocar esse hífen). Nunca quis ser chamado de japonês, percebido como diferente ou ficar com a parte de exatas do trabalho.

Na manhã de 12 de junho de 1988, houve uma cerimônia comemorando os 80 anos da imigração japonesa, no Estádio Municipal do Pacaembu. Relatos apontam que 80 mil nikkeis teriam comparecido para as festividades que contaram com a presença do príncipe Akishino e de José Sarney, presidente da república à época.

Um mosaico composto por 10 mil pessoas fez as vezes de telão, produzindo mensagens e imagens comemorativas. Minha mãe passou anos dizendo que ficou muito mais bonito do que o das Olimpíadas de Moscou, 8 anos antes.

O mosaico, com as imagens compostas por 10 mil pessoas.

Talvez minha mãe tenha razão. Ela tinha um ponto de vista privilegiado: estava entre as 2 mil dançarinas de odôri que se posicionaram ocupando toda a pista de atletismo do Pacaembu – em seus kimonos, sob o sol, paradas, em pé, ficariam a postos por mais uma hora e meia, aguardando a exibição dos mosaicos, os discursos das autoridades, para então fazer a dança folcórica.

Festividades do 80º aniversário da imigração japonesa, no Pacaembu (1988)

Naturalmente, como participante das festividades, minha mãe precisava chegar cedo. Tentaram me acordar mas, naquele dia, nada disso foi capaz de me tirar da cama. Só cheguei para buscar minha mãe, quando já estavam desmontando tudo.

Não digo que me arrependo, porque eu realmente não sentia conexão com o que se festejava. E, se for para lamentar alguma coisa, seria esse distanciamento que sempre foi muito forte enquanto eu crescia.

Há coisa de uns 15 anos, isso tem mudado gradualmente, num processo sem volta. E, curiosamente, estou lendo “Passagem para o desconhecido: um estudo psicanalítico sobre migrações entre Brasil e Japão”, de Taeco Toma Carignato. A autora lança mão de História e Psicanálise para fazer uma análise da jornada do imigrante nikkei no Brasil, a partir de experiências pessoais, depoimentos individuais colhidos pela autora, e revisão da literatura nipo-brasileira. Uma excelente leitura não apenas para nipo-brasileiros, mas para todos que se interessam pela cultura japonesa.

Acontecimentos na minha família, que me pareciam tão extremamente individuais quanto estranhos, subitamente passaram a fazer sentido dentro de um contexto muito maior. E, de outro lado, jogou luz sobre aquela aversão às origens que mencionei no início do texto.

Minha mãe diria: “ah, que pena que você não sentiu isso antes”, mas entre nascer no Brasil e se tornar brasileiro há um processo que não se pode evitar.

A todos os nikkeis*, um feliz 116º aniversário de imigração. 

*Anteriormente, usava-se “nikkei” como referência a japoneses que partiram para viver fora de sua terra natal ou a seus descendentes nascidos fora do Japão. Recentemente, o significado vem sendo estendido para abarcar também as pessoas simpatizantes da cultura japonesa.

O Brasil também vem se integrando aos nikkeis. Em edição especial de Globo Repórter, em 1988, Pedro Bial diz que “A cidade de Bastos, no Oeste Paulista, foi fundada por japoneses. Há 30 anos, toda a população tinha olhos rasgados”. Hoje, dificilmente a reportagem usaria esse termo.
Yuji Imaizumi
Já fui um monte de coisas e gostei de quase nada. Mas gosto do fato de que nada se limita a apenas contar uma história. Minha escala personalíssima das resenhas: [ 1 - 1.5 ⭐: gostei não ] // [ 2 - 2.5 ⭐: nhé ] // [ 3 - 3.5 ⭐: gostei ] // [ 4 - 4.5 ⭐: gostei muito ] // [ 5 ⭐: carai! ]

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