A Baleia – Resenha

Para além da discussão sobre gordofobia, A Baleia, de Aronofsky, abre espaço para identificação com personagens do próprio Moby Dick.

Brendan Fraser em A Baleia
California Filmes

Eu tinha uns 10 anos quando li Moby Dick (“Moby Dick, ou A Baleia”, no título original). Era uma edição infanto-juvenil e, muito por conta disso, nos últimos tempos vinha pensando em ler a versão original (um clássico do tal Grande Romance Americano).

“A Baleia”, película de Darren Aronofsky, que rendeu o Oscar de ator para Brendan Fraser, surge como um estímulo irresistível.

A sessão começa e, antes mesmo de pensar sobre a gordofobia da associação entre o título e o sobrepeso da personagem principal (Charlie), vem um estranhamento: o filme está no formato 4:3. Juntam-se a isso ambientes escuros e cores desbotadas; a fotografia parece usar de soft focus para completar o desconforto.

O tom está definido – os detalhes dessa história não estarão em HD ou CGI. As imagens são estreitas, amareladas e quase borradas, meio que impressas fora de registro. Como num livro velho.

Do lado de fora, o clima permanentemente cinzento e chuvoso sugere que tampouco adianta tentar fugir.

É um filme que exige mais atenção da audição do que da visão. A metalinguagem é outro aspecto sensível na obra, em que a palavra tem um papel de destaque. A personagem central é um professor de redação, e há referências frequentes a Moby Dick.

Nas aulas que leciona online, Charlie espera ensinar que os alunos escrevam com autenticidade e honestidade brutal, e não com base somente em objetividade e aspectos formais.

A palavra escrita, aliás, é sua única conexão com a filha (Ellie), tanto na oportunidade do reencontro quanto no raro “objeto de memória” que conserva, uma redação de Ellie que a ex-mulher (Mary) lhe entregou anos antes.

A luz sobre o texto é enfatizada pelo ar teatral do filme. As ações se passam quase que integralmente na sala da casa de Charlie. O resultado faz o público se sentir em uma peça. Até mesmo a forma com que as personagens entram e saem de cena dá a impressão de estarmos diante de um palco. E o palco tem seu papel quando parece variar de acordo com a mobilidade de Charlie: fica a sensação de que a casa é menor enquanto ele usa o andador, e mais ampla depois que entra em cena uma cadeira de rodas, acompanhando sua maior independência.

As atuações são também um tanto puxadas para o teatral, com falas e gestual mais amplos e dramáticos.

(Atenção: contém spoilers)

A evolução da história se dá de forma linear, concentrada em um tema principal: Charlie, em seus últimos dias, tenta fazer as pazes com o passado e obter redenção pelo abandono da filha. Investe-se pouco tempo em subtramas: elas são narradas, mas não “vividas”.

Já na saída da sessão, busco um paralelo entre o filme e o livro.

Charlie é a baleia? Que despedaça o quê, famílias? Afinal, pode-se pensar que ele arruinou a própria e também a de seu amor – Alan, que cometeu suicídio. “Porque a baleia não tem emoções”, “É só um pobre e grande animal.” Vive nas profundezas, dando suas aulas sem que ninguém o veja. “E, sim, a câmera no meu laptop ainda está quebrada”.

Ou seria ele o Capitão Ahab? “Charlie, você precisa ir pro hospital. Isso já foi longe demais”. Mas ele não vai, mesmo tendo o dinheiro. Charlie está em um processo (consciente?) de autodestruição. “Eu sempre fui grande. Eu só… perdi o controle”. Mas está perseguindo o quê? A perna que lhe falta – que lhe foi tirada – é Alan ou Ellie? Qual a sua baleia?

A culpa por ter perdido a conexão com Ellie pode ser dele mesmo (a baleia), mas não a perda de Alan. “Você acha que Deus nos renegou porque eu e ele nos apaixonamos?” Thomas, o pastor itinerante, pode até achar que sim, mas não Charlie. Tampouco sua amiga Liz, irmã de Alan: “Se não fosse por você, ele teria pulado daquela ponte muitos anos antes”.

O luto mora naquela casa, preservado no único cômodo arrumado, o quarto de Alan – talvez a única parte de sua vida que fez sentido um dia.

Ou, ainda, Charlie é Ahab E a baleia?

A obstinação que custa a própria vida? Ahab. “O dinheiro é pra Ellie. Sempre foi pra Ellie”. A perna que falta. No único e feliz flashback, vemos a família completa, o mar – porra, o mar. E o mar faz o quê? “Eu ficava cortando as pernas nas rochas”.

Imagem ao nível do chão, mostra os pés e tornozelos do protagonista, banhados pela água no limite da marola, único feedback em A Baleia.
A lembrança do mar. Com as duas pernas. / Trailer oficial – California Filmes

Talvez o título não se refira ao peso de Charlie, mas ao seu ato monstruoso de abandonar a filha. “Você seria nojento mesmo se não fosse gordo desse jeito”, diz Ellie.

Pode ser meio tolo reduzir um trabalho tão interessante a uma simples comparação, ainda que a um romance clássico. Mas a redação de Ellie, lida e relida ao longo da história, não é meio isto, uma resenha de como a vida é sem sentido?

Confira também em nosso portal: Dez filmes com Brendan Fraser, vencedor do Oscar de Melhor Ator

ANÁLISE CRÍTICA - NOTA
A Baleia
Yuji Imaizumi
Já fui um monte de coisas e gostei de quase nada. Mas gosto do fato de que nada se limita a apenas contar uma história. Minha escala personalíssima das resenhas: [ 1 - 1.5 ⭐: gostei não ] // [ 2 - 2.5 ⭐: nhé ] // [ 3 - 3.5 ⭐: gostei ] // [ 4 - 4.5 ⭐: gostei muito ] // [ 5 ⭐: carai! ]
a-baleia-resenhaHistórias de sofrimento, alienação e culpa convergem na jornada final da personagem principal, habilmente costuradas em formato quase teatral. A Baleia entrega sentimentos dolorosos com atuações comoventes de Brendan Fraser e Hong Chau, enquadradas por set design e fotografia que não passam despercebidos.

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