Placa Mãe entrega diversão para crianças e um questionamento para adultos: há futuro para todos?

Sem abrir mão da aventura, animação de Igor Bastos questiona o futuro sobre igualdade, conceito de família, preconceito e direitos sociais

Qual será o nosso futuro? Placa Mãe começa nos apresentando a uma realidade em que ainda temos espaços com natureza preservada, alguma fauna, rios e topos de morros com vegetação – será que o Código Florestal ainda os considera como Áreas de Proteção Permanente?

Entretanto, logo temos a transição: em vez de pássaros, surge um drone que, voando, esbarra em um pedaço de papel levado pelo vento. Descartou corretamente? Não, apenas se livrou dele. O papel – um pedaço da Constituição Brasileira – aterrissa na cidade, e só aí é coletado por um robô-lixeiro, que deposita o dejeto em uma caçamba. Logo chega um caminhão de lixo, que leva a coleta a um aterro sanitário gigantesco, onde se localiza um orfanato e em torno do qual existe uma feira popular. E, entre os descartados e inservíveis, encontramos nossos protagonistas.

Conhecemos Nadi, uma androide com cidadania brasileira que, após um encontro fortuito com duas crianças, David e Lina, se dá conta de que teria o direito de adotá-las – algo inédito até então. Do lado oposto, o vilão Asafe, um misto de político e influenciador digital  (ainda existe essa diferenciação?), age para criar polêmicas sobre o caso, já que toda a sua plataforma parece se limitar a uma oposição entre humanos e robôs. Mesmo ele, senador da República, tem no lixão um de seus operadores.

Assim somos contextualizados do futuro em que se passa a animação: há avanços, mas aparentam ser feitos mais de automações do que de alterações no processo (como na coleta de lixo). Crianças seguem sendo tratadas como mercadorias, em paralelo com os robôs que ficam obsoletos e ninguém os quer.

Não se trata, porém, de um futuro absolutamente sombrio, tampouco uma utopia paradisíaca. Para o diretor Igor Bastos, o filme é definido “carinhosamente como SCI-FI da Roça. Queria pensar em uma Minas Gerais do futuro, algo que a gente não tem imageticamente definido. Isso representou um desafio, porque a ideia de futuro está sempre ligada a algo meio apocalíptico ou oriental, com aquele tanto de LED. Então queríamos trazer outra visão: um Brasil que parece andar por soluços”.

O resultado é uma obra de muitas camadas. Contos tradicionais e populares são habilmente integrados à história principal, com estilos de animação diferentes e bastante pertinentes. A trilha sonora que se vale de artistas brasileiros – mineiros em especial –, o sotaque dos dubladores com seus eventuais regionalismos, e outras referências locais como pão-de-queijo, frango com quiabo, partidas de truco e até uma menção a rompimentos de barragens (de mineradoras?) são decisivos na materialização de uma Divinópolis do futuro.

E, num momento em que se discute se a inteligência artificial é capaz de fazer arte, Bastos (que também assina o roteiro) subverte a lógica e usa a IA como alegoria: “ela (Nadi) é qualquer família que é reprimida. Acho legal que cada pessoa enxergue na Nadi uma família diferente. Por exemplo, já tive relatos de mulheres negras que falaram ‘Pô, é claro que é uma mãe solo negra’, e aí um casal LGBT, fala ‘É lógico que é um casal LGBT’. O exercício do filme é um pouco isso mesmo, de refletir sobre como as nossas percepções de família têm mudado”, afirmou o diretor em entrevista ao Estado de Minas.

Mas, diante desse pano de fundo, uma aventura bem ao gosto do público infantil se desenrola para a diversão dos pequenos. Temos claramente uma heroína com uma missão, seu momento de dúvida, o vilão e as intrigas típicas adequadas para a audiência.

Como não poderia faltar numa história infantil, e a moral da história? Como vencer o preconceito imposto aos diferentes? Como garantir a existência dos muitos tipos distintos de família? Que futuro estamos construindo, e quem está incluído nele?

Na trilha, vem a resposta na letra de Paula e Bebeto, de Milton Nascimento:

Eles amaram de qualquer maneira, à vera
Qualquer maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor vale amar

Enquanto as crianças se divertem com o desfecho, os adultos talvez percebam que o filme não faz concessões – os finais felizes são reservados ao privado. Coletivamente, o futuro é preocupante. Direitos são revogados sem uma boa justificativa e as saídas encontradas são artifícios de sobrevivência. Espero que as crianças se emocionem e revejam esse filme depois de 10, 15 anos. E que o filme faça ainda mais sentido para elas, mas de um jeito mais leve do que 2024 faz parecer.

Estreia nesta quarta-feira, dia 3 de outubro, com distribuição da O2 Play.

Não deixe de ver nossa lista de filmes em que a tecnologia é protagonista – só que nem todos os androides são amistosos como a Nadi.

ANÁLISE CRÍTICA - NOTA
Placa Mãe
Yuji Imaizumi
Já fui um monte de coisas e gostei de quase nada. Mas gosto do fato de que nada se limita a apenas contar uma história. Minha escala personalíssima das resenhas: [ 1 - 1.5 ⭐: gostei não ] // [ 2 - 2.5 ⭐: nhé ] // [ 3 - 3.5 ⭐: gostei ] // [ 4 - 4.5 ⭐: gostei muito ] // [ 5 ⭐: carai! ]
placa-maeRica em detalhes e sem abrir mão da aventura, Placa Mãe questiona o futuro sobre igualdade, conceito de família, preconceito e direitos sociais

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