Porto Príncipe escancara os preconceitos sutis do cotidiano

Abordando etarismo, imigração, racismo e xenofobia, Porto Príncipe faz o espectador se confrontar com os preconceitos imperceptíveis do dia-a-dia

Bastide (Diderot Senat) e Bertha (Selma Egrei) unem forças em uma aliança improvável

“Todo ano eu comemoro o fato de haver mais diretoras mulheres. Ainda não chegamos lá, mas certamente estamos indo na direção certa”, disse Greta Gerwig na abertura do Festival de Cannes deste ano. Se pensarmos nos recentes sucessos de “A Filha Perdida” (2021), de Maggie Gyllenhaal, “Aftersun” (2022), de Charlotte Wells, “Vidas Passadas” (2023), de Celine Song e “Lady Bird” (2017), da própria Gerwig, todos temos motivos para comemorar. “Porto Príncipe”, o primeiro longa-metragem de Maria Emília de Azevedo, vem para se juntar a essa lista.

Na trama, a viúva Bertha (Selma Egrei) mora em uma chácara isolada na serra catarinense, e parece ter algumas dificuldades para manter a casa em pleno funcionamento. 

Seu filho Henrique (tratado, em casa, por Heinrich, numa alusão à força da origem alemã na intimidade do lar) a pressiona para que vá morar com ele em Florianópolis. Como saída, decide levar o haitiano Bastide (Diderot Senat) para trabalhar e morar com ela.

Além do etarismo, temas como imigração, racismo e xenofobia não são mera ficção: foi no Estado de Santa Catarina que houve a esmagadora maioria das contratações de imigrantes haitianos, em 2014, conforme aponta o portal O Joio e O Trigo, que investigou o assunto em reportagens excelentes – escrita e em podcast.

Os episódios de preconceito são abordados, por vezes, de maneira explícita: em olhares e silêncios de repulsa, nas falas ofensivas e na violência física – situações mais óbvias, que não deveriam exigir esforço para serem compreendidas como censuráveis.

Mas é com atos e intenções fantasiados de gentileza ou generosidade que o filme provoca o espectador e seus preconceitos: você acha que conhece, de fato, a história dessa pessoa? As revelações são tão maravilhosas quanto surpreendentes para todos.

Quando Clara, a neta de Bertha, reconhece Bastide trabalhando num posto de gasolina, pergunta: “Como você veio parar aqui?” – ainda que com curiosidade e boa intenção, menospreza o emprego que, para Bastide, foi possível conseguir. As mesmas boas intenções que Bertha achava que tinha ao “ajudar” Bastide, mas que na verdade era uma ajuda para ela própria.

Diderot Senat, com o prêmio de Melhor Ator no 27º Cine Pernambuco – Foto: Felipe Souto Maior/Divulgação Cine PE

Porto Príncipe participou de diversos festivais, e recebeu no 27º Cine Pernambuco os prêmios de Melhor Filme e Melhor Ator para Diderot Senat. Já no Bogotá International Film Festival, além do prêmio de melhor filme, Maria Emília Azevedo levou o prêmio de melhor direção, já em sua estreia como diretora de longa.

“Interpretar esse personagem foi algo inexplicável. Primeiro porque desde criança eu assistia a filmes, participava de peças de teatro da minha igreja, mas nunca esperava me ver nas telas. Na minha cabeça, isso era algo gigante demais para mim, mas hoje estou percebendo que realmente tudo é possível. Ganhar um prêmio de melhor ator é uma loucura, pois, na minha infância, os exemplos de atores que eu tinha no Haiti eram todos norte-americanos. Esse prêmio é uma esperança para toda uma geração. Estou ansioso para que todas pessoas da minha cidade me vejam na tela, porque elas vão ver que podem sonhar sim, e que é possível, não importa de onde você venha”, relata o ator Diderot Senat.

É como se Diderot se fizesse a pergunta de Clara: “como você veio parar aqui?”. Sonhando com a grandeza que merece.

Porto Príncipe entra em cartaz hoje, 13 de junho, distribuída por O2 Play.

ANÁLISE CRÍTICA - NOTA
Porto Príncipe
Yuji Imaizumi
Já fui um monte de coisas e gostei de quase nada. Mas gosto do fato de que nada se limita a apenas contar uma história. Minha escala personalíssima das resenhas: [ 1 - 1.5 ⭐: gostei não ] // [ 2 - 2.5 ⭐: nhé ] // [ 3 - 3.5 ⭐: gostei ] // [ 4 - 4.5 ⭐: gostei muito ] // [ 5 ⭐: carai! ]
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