Bramble: The Mountain King explora o que há de sombrio em contos de fada

Fonte: Reprodução/Dimfrost Studios

Havia uma febre na internet no começo da década passada em que as pessoas compartilhavam as raízes macabras de famosos contos de fadas. Afinal, são histórias que foram há muito extirpadas da sua proposta inicial para se encaixar na engrenagem “disneificada” de animações fofas. A era de ouro da Disney mal lembra o fato de que essas histórias eram concebidas e compartilhadas para assustar crianças por meio de uma mensagem de caráter moral e, por vezes, eminentemente cristã. A Dimfrost Studios claramente entende isso. E, através de Bramble: The Mountain King, a produtora independente explora as origens sombrias de diversos contos de fadas nórdicos. Isso se executa de forma fascinante, mesmo que não exatamente original em diversas ocasiões.

Os contos de fadas sob uma nova perspectiva

Em princípio, esses contos de fadas imbuíam nas crianças a concepção de que obdecer as regras era o mais indicado para viver de forma segura. Em Bramble, você controla Olle, uma criança que quebra a principal delas logo no ínicio: nunca saia na floresta no meio da madrugada. Esse passeio pela floresta conduz Olle a uma curiosa e sombria aventura através de um mundo que reflete as histórias infantis tradicionais do folclore nórdico. Mais importante, esse mundo não parece tão aprazível quanto soa, visto que, na verdade, ele encerra uma realidade deturpada pelo Rei da Montanha. Trata-se de uma figura que expõe uma insuspeitada complexidade ao final do jogo, mesmo que as coisas aconteçam rápido demais para que você tenha uma oportunidade de se tocar acerca do que está se passando.

E, de fato, Bramble é um jogo curto, que não ultrapassa as quatro horas de gameplay. Apesar de que não seria necessário, já que as batidas narrativas se organizam de forma bem fluida ao longo da campanha. Inclusive, o modo história se demonstra recheado o suficiente de momentos intensos para distrair o jogador das limitações do jogo. Uma delas seria o fato de que as mecânicas e os quebra-cabeças figuram como repetitivas no naco final da campanha, o que é especialmente decepcionante considerando a simplicidade da experiência no todo. Em Bramble, há um gameplay extremamente linear, que não permite quase nenhum espaço para a exploração dos cenários. O que é uma pena, já que é na direção de arte que o jogo se revela como excepcionalmente belo. Seria realmente incrível a oportunidade de explorar um pouquinho mais cada canto e aresta dos ambientes ao mesmo tempo assustadores e hipnotizantes.

Mundo sombrio não se reflete no desafio proporcionado ao jogador

Fonte: Reprodução/Dimfrost Studios

Em Bramble, o level design parece agir para manter o jogador naquelas amarras que impedem a criatividade na resolução de entraves. A câmera sempre se movimenta na tentativa de apontar exatamente o caminho que você deve percorrer, como se o jogador não pudesse encontrá-lo por conta própria. E, como se não bastasse, os puzzles, além de serem bem esparsos, não oferecem qualquer desafio e não refletem a criatividade do jogo na concepção de mundo. Nesse sentido, Bramble segue aquela há muito batida tradição dos jogos que pegam na sua mão, apresentando só um ou outro momento em que a dificuldade se torna digna de nota. Esses momentos geralmente dizem respeito aos chefões, que são variados e repletos de personalidade, além de proporcionar desafios que pedem alguns retries. Nada tão punitivo, é claro. Trata-se apenas do jogo querendo se assegurar de que você domina as mecânicas e as estratégias da ação.

Outro âmbito em que Bramble se demonstra excepcional é na trilha-sonora, que se encaixa perfeitamente com os momentos em que o mistério e a tensão prevalece. Nessas ocasiões, a presença de alguns acordes esparsos já comunicam que algo está muito errado na terra das histórias infantis. E, é claro, não dá para esquecer tão fácil o momento final do jogo, em que a trilha-sonora adquire ares de epopéia que elevam o esforço final de Olle para retornar à realidade. Em todos os ápices cruciais do jogo, a trilha-sonora adiciona à gravidade dos acontecimentos, sem se tornar intrusiva em nenhuma ocasião.

Inspirações palpáveis aprofundam a experiência

E hajam momentos de tensão para disfarçar as áreas em que Bramble não demonstra tanta criatividade quanto em sua narrativa. O jogo definitivamente não apela a um público impressionável, abordando temas como assassinato de crianças, fúria de multidão e rituais de sacrifício. Contudo, nada disso é reproduzido com a intenção de chocar, se encaixando de forma fiel no conceito geral da narrativa. Dessa forma, Bramble conduz a proposta de um pequeno ser em meio a um mundo de gigantes a níveis tão violentos quanto nunca. Talvez até ultrapassando aquilo que foi reproduzido antes por clássicos do gênero, como Little Nightmares, Limbo e Inside. Inclusive, é bem clara a inspiração que Bramble extraiu desses jogos, tanto em matéria de narrativa quanto de jogabilidade no geral. Além disso, como não lembrar de American McGee’s Alice e Madness Returns ao se deparar com uma história infantil deturpada em algo quase irreconhecível?

É claro que Bramble não reinventa a roda. E talvez nem deveria, sendo um jogo independente que provavelmente demandou recursos próximos dos jogos citados acima. Contudo, é importante mencionar que o jogo não está completamente otimizado, ao menos não no caso do Steam Deck, que foi a plataforma na qual eu o testei. Em um determinado momento no final da campanha, a tela simplesmente ficava preta ao invés de reproduzir uma cutscene. Tentei passar pela mesma parte no PC e deu certo, depois voltei ao Steam Deck e consegui seguir até o fim. Mesmo assim, isso indica que há necessidade de suporte para essa plataforma específica. Apesar disso, o jogo está completamente localizado, com legendas e menu em português. De fato, é um esforço digno de aplauso por parte dos desenvolvedores.

Conclusão

Bramble é uma aventura excêntrica o suficiente para manter a atenção do jogador em todos os momentos. Há também o fato de que a arte e a criação de mundo é belíssima de se contemplar. E a trilha-sonora manterá o jogo em sua mente por algum tempo depois dos créditos rolarem. Dessa forma, Bramble se afigura como uma experiência deslumbrante para aqueles que apreciam a oportunidade de explorar histórias tradicionais de uma cultura diferente. Contudo, a repetitividade do gameplay e a ausência de um desafio palpável o impede de se tornar um clássico instantâneo. Bramble: The Mountain King está disponível para PS5, PS4, Switch, Xbox One, Xbox Series S|X e PC. Agradeço encarecidamente à Dimfrost Studios pela chave de acesso ao jogo.

André Lários
Graduando em Letras, assiste séries e joga vídeo-game nas horas vagas.

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