One Piece possui uma estrutura até certo ponto bem simples de se entender. Oda costumeiramente introduz uma problemática em um arco e a aprofunda no próximo. Esta estrutura sofre uma alteração interessante lá na frente, no arco de Whole Cake, por exemplo. Aqui, há essa mesma premissa, mas trabalhada de uma forma mais interessante. Temos muitas coisas sendo abordadas, introduzidas e desenvolvidas. O Arco Water Seven é aquele tipo que se torna melhor da segunda vez. Já Enies Lobby é emocionante da primeira, da segunda e se assistir de novo, da terceira.
Por serem interligados, resolvi fazer os dois arcos num post só, mas cada um receberá sua devida atenção.
Arco Water Seven (Nota 8/10)
Water Seven tem uma ingrata missão de trazer Luffy e seu bando de volta para a história após Skypiea e o tenebroso arco de Foxy. A principio, todavia, o que ocorre é a impressão de que teremos mais um arco enrolado. Seguindo o padrão de Alabasta, Oda trabalha questões locais que envolvem Luffy e o bando. Porém, desta vez, nosso bando tem muitas outras questões relevantes pra história que a tornam um pouco menos cansativa. O autor aproveita pra trabalhar Usopp, Robin e seu mais novo membro do bando.
Não vou entrar no mérito de Usopp estar certo ou não na discussão sobre o Merry, mas sim no quanto isso agregou para a história. Para começar, o personagem sempre teve personalidade forte e sua reação combina bastante com o que vimos até ali. A reação dos demais membros, como Sanji e Zoro também combinam com sua personalidade. A discussão no barco mostra o quanto Oda é capaz de criar situações interessantes sem vilanizar ninguém ou apelar pra clichês dramáticos. O drama e o peso da discussão e da luta entre Luffy e Usopp é gigantesco – a discussão, aliás, ficou muito melhor no anime com sua paleta de cores e ângulos de câmera.
Tudo isso ocorre em paralelo ao desenvolvimento de Water Seven e o mistério envolvendo Robin, o que permite ao arco ter um equilíbrio entre ação e calmaria. Oda trabalha todo o drama envolvendo Usopp enquanto planta sementes para o fim do arco, com mais revelações e traições. Com isso, antes mesmo de entrar em Enies Lobby temos um profundo desenvolvimento de suas premissas. Talvez seja o arco com maior equilíbrio entre desenvolvimento local e central, com o autor dando vida a Water Seven com a mesma intensidade e qualidade em que leva o roteiro para frente.
Aqui começa um problema…
Pra mim, One Piece tem um problema que foi se criando com o passar dos arcos, mais fortemente após o time-skip, mas que começou aqui. Em Naruto, por exemplo, se falava muito de força natural, trabalho duro, talento, este tipo de coisa, algo que foi ignorado no fim do anime. One Piece nunca fez nenhum discurso contra isso e o fato de Luffy ser neto do Herói da Marinha e filho do líder dos Revolucionários, já mostra que ele não é qualquer um. Porém, os paralelos entre Luffy e Gol D. Roger começaram a ficar cada vez mais frequentes, o que particularmente não me agrada.
Com o passar dos arcos, essa coisa de destino só foi ficando mais forte por diversos elementos. O problema em Water Seven é a incrível coincidência de Luffy ter dado de cara com o aprendiz de quem fez o barco do Rei dos Piratas, criando uma forte conexão entre nosso protagonista e Roger, o que não seria um problema, se tivesse parado por aí.
Enies Lobby (10/10)
Já em Enies Lobby a coisa muda de figura. Não há mais a necessidade de desenvolver muito a ilha local e as cartas já estavam na mesa, só sobrando a ação a ser desenvolvida. O arco possui os problemas clássicos de cenas infinitas de perseguição por parte do protagonista. Mas, ao mesmo tempo, está recheado de informações interessantes e abordagens relevantes pro futuro.
A estreia do Gear 2, por exemplo, ocorre de maneira incrível e relevando um medo de Luffy de não ser capaz de proteger sua tripulação e precisar evoluir. É algo que passou batido por mim da primeira vez, mas é importante notar que ele já possuía este medo antes disso se concretizar lá na frente. São pequenos detalhes que se tornam perceptíveis somente da segunda vez que vemos o anime.
Aqui, temos boas lutas, que levam nossos protagonistas aos seus extremos e reafirmam seus ideais. Esse elemento é bastante utilizado por Oda vez ou outra, criando uma evolução não só em nível de poder, mas um amadurecimento nos personagens. O problema é que muito do que vemos acaba ficando só no discurso daquele momento. Quando retornamos ao cotidiano dos personagens, eles voltam a ser os mesmos.
O poder do simbolismo
No post sobre “Arlong Park” eu mencionei como Oda consegue passar emoção através de atos e não só de dramas fáceis. O ato de Luffy colocar seu Chapéu de Palha (que ele afirmava ser seu tesouro) na cabeça de Nami foi um gesto simples, mas poderoso. Ninguém precisou morrer para a cena ter o peso que deveria. Em Enies Lobby é reafirmado a todo o momento o poder do Governo Mundial, seja através da CP9 ou da primeira aparição de Aokij, que menciona o perigo que é ter Robin a bordo.
Todos estes elementos, assim como a briga entre Luffy e Usopp são pincelados para que resultem em uma única cena. Em Skypiea essa cena é o tocar do sino; aqui é o queimar da bandeira, o pedido de Robin para viver e o velório do Merry. Nenhum destes momentos seria tão épico, emocionante, sem a cuidadosa construção de Oda que, repito, não precisou apelar para dramatismo barato para causar impacto – o mais perto disso é o velório, mas é um barco…
Vale mencionar também que as lutas são bem construídas, mas seguem um padrão negativo em que todos apanham até derrotar o inimigo de repente. O maior exemplo disso é o próprio Luffy. A cena dele derrotando Rob Lucci é incrível, empolgante, de arrepiar. O sentimento do protagonista é passado com perfeição seja através dos traços, ou através da dublagem perfeita. Porém, tal cena ocorre de repente e sem muita explicação: Lucci está bem e de repente perde a luta. Mas este nunca foi mesmo o forte de Oda, todavia impede que o arco encontre o auge que o anime poderia oferecer.
Em conclusão
Tanto Water Seven como Enies Lobby mantém a sensação de que a história não anda pra frente, ou está em câmera lenta. Porém, há evolução pessoal, lutas e cenas épicas o suficiente para estes arcos, especialmente Enies Lobby serem lembrados com grande carinha e considerados por muito o melhor arco de One Piece. Individualmente, talvez Enies Lobby seja – leva vantagem pelo dinamismo em comparação a Dressrosa – e, diferente do arco de Doflamingo, há um passo pra frente dos Mugiwaras e de Luffy.
Independente de qual arco é melhor, estamos diante de uma obra recheadas de altos, altos e vez ou outra um baixo. Estes arcos são, sem duvidas, um dos momentos altos!